SANTIDADE, UM CAMINHO FEITO JUNTOS
Santa
Teresa de Lisieux nos aconselha, que durante os tempos de oração, é bom periodicamente
trazer à memória aqueles momentos em que sentimos a graça de Deus nos tocar
profundamente, em especial quando estamos atravessando períodos de aridez ou de
escuridão, podendo assim, trazer nova seiva de vida e inspiração daquelas
experiências que nos podem ajudar a superar as dificuldades atuais e, ainda, “reavivar
o dom de Deus que está em nós” (2Tim 1,6). No início de Gaudete et Exsultate,
Papa Francisco fala da importância da “várias testemunhas que nos encorajam”
(cfr. GE 3), entre eles os “sinais de santidade que o Senhor nos apresenta
através dos membros mais humildes” do seu povo (GE 8).
Quando
era seminarista palotino a Dublin, o então recém eleito Reitor Geral, P. Seamus
Freeman SAC, falou-nos do carisma Palotino. Não lembro de todos os detalhes que
nos falou, mas lembro-me de sentir como se um fogo acendesse em mim, senti que
isso “era algo para o qual eu poderia alegremente doar minha vida”. Apresentou-nos
uma visão maravilhosa da vida e da comunidade cristã, onde todos são chamados
apóstolos, irmãs e irmãos nas diferentes vocações, mas iguais na dignidade, para
contribuir com nossos talentos e dons particulares à comunhão e colaboração
prática com os outros para ajudar a construir o Reino de Deus. Uma visão que vai
além da comunidade dos discípulos de Cristo, e que buscava também a colaboração
com as pessoas de boa vontade de todos mesmo daqueles que não crêem.
Embora tenha
mudado sua intensidade no decorrer dos anos, as vezes è semelhante “a uma mecha
que ainda fumega” (Is 42,3), aquele misterioso fogo verdadeiramente nunca me abandonou.
Esteve e continua a ser nutrido daquela experiência inicial e de outras, inclusive
o simples mas profundo testemunho da palavra e da vida de tantas outras pessoas
de todas as vocações – seja na ou fora da Família Palotina – que procuram viver
com profunda fé, humanidade, integridade e solidariedade em espírito de
comunhão e co-responsabilidade, no serviço generoso e humilde, em particular
aos mais necessitados e vulneráveis.
A União
tem muito a oferecer à Igreja e ao mundo. Como a própria vida, essa é fundamentalmente
enraizada e construída em relações saudáveis.
A
relação fundamental para cada um de nós é naturalmente nossa relação com Deus.
Cada um de nós misteriosamente envolvidos em uma relação de amor com Cristo e,
através Dele, com o Pai e o Espírito Santo. Nessas relações fundamentais, somos
convidados a “saborear” o amor infinito que é Deus, a deixar que esse amor
penetre sempre mais e transforme todas dimensões do nosso ser e cada aspecto da
nossa pessoa e humanidade, tornando-se a força motriz de tudo o que somos e
fazemos, mesmo que tudo isso seja um processo longo e às vezes doloroso mas,
cada um a seu modo, buscando sempre discernir o caminho que o Senhor nos está
chamando a seguir (GE 11).
Para
que seja verdadeiramente humano e cristão, esse caminho único para cada pessoa,
não pode ser individualista, na verdade é sempre uma rede mais ampla de
relações humanas, porque a “santificação é um caminho comunitário, que se deve
fazer dois a dois” (GE 141). Assim como “ninguém se salva sozinho, como
indivíduo isolado”, assim também ninguém se faz santo sozinho, “mas Deus atrai-nos
tendo em conta a complexa rede de relações interpessoais que se estabelecem na
comunidade humana” (GE 6).
Como
membros da União do Apostolado Católico, isto é verdade para nós de uma maneira
particular. Nossas relações humanas devem se impregnar concretamente do amor
que é a própria vida e o próprio ser da Trindade (cfr. Estatuto Geral 18), e
torná-lo mais carne como o descreve São Paulo no seu maravilhoso hino:
paciente, gentil, indulgente, livre de ciúmes, arrogância, vaidade, grosseria,
egoísmo, irritabilidade e ressentimento. Este amor é tão substancial que, onde
falta, a União deixa de existir, e isto independentemente de qualquer estrutura
ou obra externa que se deva colocar em prática (cfr. OOCC III, 137-138).
O
Estatuto Geral da nossa União e as estruturas de base nelas delineadas visam
orientar o funcionamento de uma comunidade que dê, de modo muito real,
expressão concreta a estas características do amor: humildade, abertura e
diálogo; respeito profundo aos outros e benevolência para com eles; plena
participação de todos como apóstolos com plenos direitos; paciência e
generosidade de espírito; simplicidade, transparência e integridade;
colaboração desde o início e co-responsabilidade; discernimento partilhado e
paixão pela missão, ternura e fidelidade. Portanto, uma comunidade que
reconhece, encarna e promove a fundamental dignidade e igualdade de todos os
seus membros (EsG l7, cfr. EsG 70), independentemente da vocação ou das
condições de vida, e que, sem ignorar as distinções entre elas, mas corretamente
entendida e vivida, coloca cada estado de vida num contexto amplo, saudável,
estável e frutífero de abertura e serviço mútuo, convidando a um novo modo de
relacionar-se com os outros.
“A
co-responsabilidade exige uma mudança de mentalidade… na Igreja”, de modo que
ninguém seja visto como um simples colaborador-executor de planos decididos por
outros, mas sim que todos sejam considerados “como pessoas realmente
“co-responsáveis” do ser e do agir da Igreja” (cfr. Papa Bento XVI, Mensagem,
10 de agosto 2012). Um aspecto fundamental do nosso próprio carisma e missão é
colaborar ativamente para tal mudança de mentalidade na Igreja, promovendo a
co-responsabilidade de todos os batizados (EsG 1).
O
desafio como Família Palotina é aprender em todos os níveis a abraçar e viver
isto, de forma coerente e profunda, em todas as relações entre nós: entre
pessoas semelhantes e de diversas vocações e estados de vida, nos conselhos de
coordenação da União e internamente nas tantas e diversas comunidades da União.
Este é nosso DNA palotino.
A
tentação de tratar os outros de uma forma que não reflete o espírito de
comunhão e co-responsabilidade é aquela que pode aparecer a qualquer membro da
União. E isso é verdade, quer exista ou não uma posição particular de responsabilidade
e serviço. Como membro de uma das comunidades fundadas da São Vicente, penso
que precisamos prestar particular atenção de como entendemos a nossa
responsabilidade específica na União. É humildade lembrar que a primeira
“comunidade” fundada por São Vicente foi e é a mesma União, à qual pertencem
todos os seus membros com as particulares comunidades por ele fundadas sucessivamente.
Isto não diminui a função específica destes últimos na União, mas convida-nos a
apreciá-la e a exercitá-la com maior sentido de pertença a uma única família de
origem, juntamente com todos os outros membros da mesma, em que as diferentes
vocações são “assim ligadas que cada uma ajuda a outra a ser atenta ao
crescimento contínuo, e prestar um serviço específico” (EsG 7)
“Os membros
da inteira fundação, apesar da variedade, não estão subordinados nem aos
superiores, nem uns aos outros, mas são diretamente orientados para a
finalidade da União como seus sustentadores, com os mesmos direitos. Tanto os
que receberam o sacramento da ordem, como os que não o tenham recebido, os
membros individuais e quantos tenham sido incorporados a uma comunidade têm, em
princípio, a mesma fundamental responsabilidade para com a missão da União (EsG
6, 37). …Nos órgãos [da União], os membros das comunidades originárias, por
princípio, não reivindicam uma posição de dominação, mas sentem-se e querem ser
iguais entre iguais (EsG 29 , 31, 49, 58)” (O Carisma de São Vicente Pallotti.
Origem, Desenvolvimento, Identidade, pp. 28-29).
Isso
reflete um elemento essencial da verdade a respeito do nosso Carisma assim como
a Igreja o reconheceu. De fato, em e através de Papa Francisco, a Igreja mesma
é chamada a compreender-se em termos não tão diversos: “É bom lembrar que a
Igreja não é uma elite de sacerdotes, de consagrados, de bispos, mas que todos
formamos o Santo Povo fiel de Deus… O Santo Povo fiel de Deus é ungido com a a
graça do Espírito Santo, portanto, no momento de refletir, pensar, avaliar,
discernir, devemos ser muito atentos a esta unção”. Aqueles que têm uma
responsabilidade particular são chamados a discernir sempre com os outros e
nunca por ou sem os outros (cfr. Carta ao Cardial Marc Quellet, Presidente da Pontifícia
Comissão pela América Latina, 19 de março de 2016).
Se a
Igreja fosse marcada por este sentido profundo e partilhado do discernimento e
responsabilidade, certamente ter-se-ia encontrado as respostas mais semelhantes
a Cristo naquelas situações que, como estamos vendo, são resultados que causam
mais uma vez terrível mal nesses tempos, muitas vezes para as pessoas mais
vulneráveis. Papa Francisco convidou toda a Igreja a reparar e a exercer a
autoridade como serviço e amor para o bem de todos. É claro que a União é
chamada a dar a sua importante contribuição na construção de uma Igreja saudável
e centrada em Cristo e de um mundo melhor. Peçamos a Deus, por intercessão de
Maria Rainha dos Apóstolos e de São Vicente Pallotti, que iluminem nossos
corações para que possamos ver que esperança o seu chamado, como União, tem
reservado para nós, para Igreja e para o mundo. Possa o fogo do carisma
confiado a nós através São Vicente ser aceso em nós e queimar ardentemente,
assim unidos como uma só família podemos dar testemunho do Deus de amor
infinito e juntos empenhar-nos a levar aquele amor de todas as formas, e em
particular aos que estão perdidos, abatidos e sofredores. Podemos nos libertar
de tudo o que mina dentro de nós o amor, o respeito mútuo e o afeto; tudo
aquilo que causa divisão, de modo que nossas energias possam ser livres para
trabalhar de todo coração como pessoas e como única família por nenhum outro
fim, senão a construção e difusão do Reino de Deus, reino de bondade e
santidade, de misericórdia, justiça e solidariedade.
Para a
reflexão, oração pessoal e comunitária:
Quando você
foi particularmente tocado pelo carisma? Pede na oração que o espírito do
carisma, dono do Espírito Santo de Deus, seja renovado e aprofundado em ti, na
tua comunidade e na União.
“Nisto
todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Gv.
13,35). O que torna frágil este testemunho entre nós e como podemos ao invés,
enraizá-lo em profundidade e reforçá-lo na prática?
De que
maneira entendo e percorro o caminho da santidade em termos excessivamente
individualistas? De que modo experimentei a riqueza que vem do caminhar junto
com os outros para a santidade?
P. Rory Hanly SAC,
Roma
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