terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pe. João Janik

O dia 1º de junho de 2008 marcou muito a minha vida. Este era exatamente o primeiro dia das minhas férias na Polônia. Estava sentado na beira do lago com a criação de peixes, junto a minha casa natal, quando recebi a notícia da morte do Pe. João Janik. Foi difícil para acreditar que esta notícia fosse verdadeira. Ainda poucos dias antes planejamos passar juntos alguns momentos das minhas férias.
Nos conhecemos em setembro de 1969, quando ele terminara o noviciado em Zabkowice Slaskie, na Polônia. Eu dava os meus primeiros passos na vida religiosa na Sociedade do Apostolado Católico. Depois ficamos no mesmo Seminário Maior Palotino até 1975, quando então ele foi ordenado padre e assumiu a primeira função como vigário paroquial em Karczówka, Kielce. Um ano depois, ele viajou para o Brasil, e eu no dia seguinte da sua viagem fiquei morando no mesmo quarto e continuando a mesma missão durante três anos. Em setembro de 1979 cheguei ao Brasil e nos encontramos na Paróquia de Santa Isabel Rainha de Portugal, no Rio de Janeiro. Durante vários anos trabalhamos juntos, ou eu assumia os postos de trabalho que ele deixava. Assim foi em Bento Ribeiro, em Pendotiba - Niterói, ou como Delegado Provincial no Rio de Janeiro. Em 1992 ele viajou para Portugal para assumir a Paróquia em Odivelas. Em 1999 de novo eu estava junto com ele assumindo a mesma Paróquia e ele começando o seu trabalho de cirurgião de almas, assim ele chamava a sua função de capelão no Hospital de Santa Maria em Lisboa, onde ficou até a sua morte.
Mesmo que tivéssemos diferentes modos de trabalhar enquanto sacerdotes, de certo modo nos completávamos, principalmente quando estivemos na mesma paróquia. Era extraordinário na solução dos problemas materiais da paróquia. Mas quando havia os encontros dos grupos de oração, que organizavam as vigílias noturnas, ele não queria perturbar o descanso de Jesus dizendo para deixarmos Jesus descansar durante a noite. Por isso estes encontros os deixava comigo.
Ele tinha muita sensibilidade com as necessidades do próximo. Quantas vezes o vi distribuir os seus presentes pessoais para alguns dos seus amigos ou outras pessoas necessitadas. Ele contava que certa vez queria retornar de trem suburbano da Central do Rio de Janeiro para Bento Ribeiro. Mas percebeu que não tinha nenhum dinheiro no bolso. Foi pedir a um dos mendigos que lhe emprestasse uma moeda para pagar o trem. Este ficou muito feliz por encontrar alguém ainda mais pobre do que ele. Não só deu lhe o dinheiro, mas ainda ofereceu-lhe um cafezinho. Isso gerou uma amizade com este mendigo, para quem o Pe. Joãozinho sempre oferecia cafezinho nas suas idas para estação da Central do Brasil. Por outro lado não perdoava quando alguém queria explorar o outro, para não desperdiçar nada do que lhe pertencia. Ele fazia tudo para quebrar esta esperteza obrigando o espertalhão a fazer alguma doação involuntária ou uma caridade forçada.
Tinha um jeito todo especial de tratar as pessoas, com um tom de brincadeira. Esta é a lembrança que ele nos deixa de modo especial. Desde o início da sua vocação palotina tinha alguns fatos cheios de humor. Ele contava que conheceu os Padres Palotinos quando, certo dia, cansado de ficar na escola para matar as aulas, foi para um bosque, fora da cidade de Kielce. Lá encontra-se o antigo convento sob os cuidados dos Palotinos. Foi naquele dia que encontrou um padre que lhe sugeriu a participação no encontro vocacional. Este foi o primeiro encontro com os Palotinos. Dizia brincando: “se não tivesse naquele dia matado as aulas, talvez nunca seria um padre Palotino”.
Mas o fato mais famoso no tempo do seminário foi o de ter emprestado umas calças velhas de um dos colegas, e depois de ter lavado e passado à ferro, conseguiu vender a mesma calça para o próprio colega, com uma grande satisfação como aquele que fez um bom negócio, até descobrir que a calça era dele mesmo.
Quantas brincadeiras ele fazia conosco, mas nunca vi que fizesse alguma maldade para alguém. Sempre fazia isso de maneira que não ofendesse ninguém, a não ser a sua estupidez. Certa vez em Portugal, ele estava para fazer um enterro, iniciando a celebração na capela mortuária, a zeladora lhe disse que não daria para fazer o funeral porque não havia chegado ninguém dos familiares. Ele logo lhe respondeu: “não se preocupe, você chora um pouquinho, eu vou rezar e tudo vai dar certo”. Outra vez andou em ritmo de dança para acompanhar o passe dos africanos que levavam o caixão dançando. Ele logo entrou em sintonia com todos os participantes. Ainda em outra oportunidade, quando uma senhora chorava exageradamente, não lhe deixando continuar a celebração do funeral, ele disse: “senhora, coloca o seu celular dentro do caixão e depois mostra o seu desespero chorando no ouvido do seu marido, mas agora deixa-nos continuar o enterro”.
Muitos gostavam de participar das suas Missas. Não eram prolongadas, as suas homilias sempre transmitiam algumas verdades em tom simples e alegre. Quando uma senhora que compreendia bem o seu sotaque porém queixava-se que não entendia as suas mensagens, ele lhe perguntou qual era a sua profissão. Ela disse que era feirante. Pois é, como pode compreender a linguagem teológica, se a senhora usa somente a linguagem da feira?
Em 2001 quebrei a perna quando parei de moto na rua para não matar um cachorro. Logo as senhoras piedosas da Paróquia choravam dizendo: que tristeza. O nosso prior fraturou a perna. Como vai ficar agora? Ele logo consolava: “não precisa chorar. Ele quebrou só uma perna. A outra está toda boa”.
Também em tom de brincadeira conseguia resolver alguns problemas pastorais. Certa vez alguém lhe fez a reclamação de que a casa por ele abençoada havia sido assaltada. Ele imediatamente encontrou a justificativa: Quando a casa foi abençoada, vocês deram alguma gratificação ao padre? Não, responderam. Pois é, como a benção poderia pegar?
Quando ele ainda estava no noviciado, certa vez ele fez a Via Sacra ajoelhando-se três vezes em cada estação. Um dos padres observando este noviço fervoroso comentou: Nunca vi um noviço com tanto zelo. Mas ele logo respondeu: Isto não é zelo, não. É que eu ganhei três Vias Sacras como penitência e fiz tudo de uma só vez.
Poucos dias antes de sair de Portugal viajamos juntos para Ávila, com o irmão dele, que também é sacerdote. Tentamos subir as muralhas, mas uma moça nos explicou que teríamos que pagar. Mas quanto é?, perguntou Pe. Joãozinho. Dois euros para as crianças, 3 para idosos e 5 para adultos, respondeu ela. Ele, logo percebendo que era desnecessário falar todos estes preços, já que não havia entre nós nem idosos e nem crianças, respondeu-lhe: então nos dê três bilhetes para crianças, porque assim fica mais barato.
Estes e muitos outros fatos pitorescos poderiam ser contados. Mas estes poucos são suficientes para mostrar o seu tom de brincadeira. Gostaria ainda de dizer algo que me marcou bastante. Em todos os ambientes ele criava um clima de alegria. Todos gostavam de estar ao seu lado. Na comunidade criava um clima descontraído, o que o ajudava a superar as diferenças. Fiquei muito surpreendido com a maneira como ele repassou para mim a paróquia de Odivelas. Fez isso com toda delicadeza ao transmitir a administração da paróquia. Logo no primeiro dia convidou-me a comprar um carro novo para mim. Sempre servia-me com conselhos nos momentos difíceis, ou orientando -me como conduzir o trabalho pastoral. Ele mesmo dizia que a mais fácil forma de resolver os problemas era com o governo comunista. Ele dizia para as autoridades do município: eu sei, que os dirigentes do partido não lhes permitem acreditar em Deus, mas em Nossa Senhora temos que acreditar. Quando eles afirmavam, ele logo dizia: Pois é. É para Ela que eu quero construir uma igreja. Temos que resolver todos os problemas. Não adianta para nós discutirmos sobre o comunismo, porque tudo isso já conheço da Polônia. Realmente ele conseguiu solucionar rápido os problemas e iniciar as obras da construção da igreja da Rainha dos Apóstolos, onde hoje funciona uma linda paróquia na localidade de Ramada, em Odivelas.
Sentimos muito a sua falta e o seu jeito de solucionar os problemas pastorais em tom de brincadeira. Ele ficará nas nossas lembranças sempre com seu lado positivo e alegre. Espero que ele agora esteja alegrando a vida dos santos no céu, lembrando que a vida de Deus tem que ser sempre alegre.

Pe. Jan Sopicki SAC




4 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns por mais este espaço Palotino. Que as novidades sobre a UAC estejam sempre neste blog.Paz de Jesus

Anônimo disse...

Meu estimado Pe João Sopick;
Quantas saudades!!!!!
Ler esse maravilhoso relato
sobre o amado Pe João,me faz lembrar quão doce são suas palavras nos momentos certos!
Fique com Deus!!!
O blog está maravilhoso!!!!
Saudades!!!!
Adriana Santos -Itaperuna- R.J.

Unknown disse...

Conheci e reconheci o Pe João Janik. Reconheci o Pe João que tão bem nos mostrou o "tal cirurgião de almas". Quantas saudades, Pe João ...! Abraço do António Cosme - Odivelas - Vouzela

Eurico. disse...

O Padre Joãozinho deixa saudades. Foi um homem de Deus preocupado com coisas práticas. Era um óptimo construtor de obras. Era cómico, divertido e um bom amigo. Tive a graça de o visitar no hospital dias antes da sua partida. E de lhe prestar as ultimas homenagens. Agora ele está com Jesus e nos nossos corações. Um grande abraço Padre Jan Sopick. Eurico.