sábado, 29 de agosto de 2015

Da Polónia, com amor

Para o padre João Pedro, pároco de Febres, Agosto é significado de muito trabalho.
As igrejas enchem-se de fiéis e as cerimónias de casamento e baptizados seguem-se umas atrás das outras. Ainda assim, foi com simpatia e disponibilidade que o pároco nos abriu a porta de sua casa, onde nos contou cada capítulo da sua vida…da Polónia a Portugal, passando pelo Brasil.
Chama-se Jan Piotr Stawicki mas na freguesia de Febres todos o tratam por padre João Pedro. Quem frequenta a igreja já lhe conhece a pronúncia, com um travo de polaco e um outro tanto de português do Brasil, mas também a simpatia com que acolhe todos os que procuram a palavra de Deus ou apenas alguém com quem conversar.
Pároco desta freguesia desde 2011, o Pe. João Pedro nasceu em 1963 na Polónia, mais precisamente em Kowal, “um lugarzinho como Febres, com pouco mais de 5 mil habitantes”. Oriundo de uma família numerosa, em que a religião era uma peça central e onde se respiravam os valores cristãos, o polaco percebeu bem cedo aquela que viria a ser a sua vocação: ser padre. “Quando eu era jovem, as igrejas da Polónia estavam sempre cheias, assim como os seminários. Um dos meus irmãos [tem cinco] já estava a estudar para padre e na minha família já havia quatro padres (tios maternos e paternos) ”, refere, acrescentando que, talvez por isso, não tenha havido grande sobressalto no momento em que decidiu contar aos pais que iria para o seminário.
“Claro que eles ficaram um pouco surpreendidos mas ficaram mais contentes ainda. Nessa altura eu não era muito ‘santo’ e eles até ficaram satisfeitos por eu ter escolhido um caminho certo no meio de tantos outros que podiam ser errados”, refere com humor.
A rebeldia da juventude, como nos conta, manifestava-se principalmente no incumprimento dos horários estabelecidos pelos progenitores: “Os meus pais ficavam preocupados porque nessa altura na Polónia existia o recolher obrigatório à 20h00 e eu andava pela rua e não chegava a casa a horas. Muitas vezes vinha já com os efeitos do gás lacrimogéneo, porque me metia nas brigas com a polícia”, recorda.
Filho do presidente de uma cooperativa agrícola, o Pe. João Pedro confessa ter tido uma infância “muito feliz”, apesar da situação conturbada da Polónia, nesse período ainda sob a alçada comunista. Enquanto petiz, o polaco afirma que era de gostos simples: “Naquele tempo, uma pessoa alegrava-se com tudo o que tinha. Não havia computadores, smartphones, nem nada disso… Muitas das vezes, o nosso doce era um simples pão molhado com água e com açúcar por cima. Porém, apesar das dificuldades, havia uma grande convivência”.
As brincadeiras eram “muito semelhantes às portuguesas” e passavam- se essencialmente na rua, a jogar futebol ou em corridas. “No entanto, os meus desportos eram um pouco diferentes. Eu gostava mais de atletismo, especialmente de salto em altura. Também costumava andar de planador e saltar de pára-quedas, uma actividade que era muito desenvolvida na Polónia e acessível a todos”, refere, desvendando-nos o seu lado mais radical.
Outro dos hobbies do Pe. João Pedro, e que ainda hoje mantém, é tocar guitarra. “Tocava na banda da escola, na banda da igreja, na banda da cidade, na banda dos escuteiros [que frequentou durante 12 anos]… Na minha família havia muita gente ligada à música e por isso esta fazia parte do nosso dia-a-dia. Nos povos do Leste é muito comum tocar-se instrumentos, sobretudo de cordas”, explica-nos.

O início
Foi durante o período de férias que o polaco descobriu que queria ser padre. “Na altura, frequentava todos os Verões, com os meus amigos, um acampamento de duas semanas que se chamava ‘Férias com Deus’ e que se realizava no Sul da Polónia, no meio das montanhas”. Lá, os dias eram dedicados à oração, “mas havia também muitas actividades, muita conversa e muito canto”, recorda o padre, acrescentando que foi desses encontros que nasceu a sua vocação.
Antes, chegou ainda a entrar na Faculdade de Varsóvia no Curso de Engenharia Florestal mas logo desistiu e foi para a Sociedade do Apostolado Católico, a mesma congregação que o irmão havia frequentado. “Entrei no curso para confirmar que era capaz mas o meu desejo já era seguir pelo caminho do seminário. Cheguei mais tarde que os outros seminaristas mas rapidamente apanhei as matérias e fiz novos amigos”, conta-nos.
No seminário a integração não poderia ter corrido melhor. Fez parte da banda de música, participou em várias peregrinações e chegou a trabalhar com toxicodependentes e alcoólatras. Mais tarde, tirou Filosofia e Teologia na Universidade Católica de Varsóvia.
Ainda durante os tempos de seminário, o Pe. João Pedro manteve sempre bem presente um sonho: tornar-se missionário na Amazónia. “Já tinha a tendência para a floresta e então tinha a ideia fixa de ir para lá”. Para tal, chegou a tirar um pequeno curso de enfermagem, anestesiologista e instrumentalista, que punha em prática no seminário ajudando o dentista e o médico de serviço e fazendo pequenos curativos em quem necessitava. “Sabia que isso iria ser útil caso fosse para a Amazónia. Porque lá, um padre deve ser também enfermeiro, professor, etc.”, explica.
Durante os anos de seminário, todavia, chegou a ponderar se o caminho que estava a seguir era o correcto. “Várias vezes perguntei-me se era mesmo aquilo que queria para a minha vida. Num momento crucial, quando já era Diácono, pedi a Deus um sinal e ele deu-me um tão grande que não tive dúvidas de que era para continuar”.
A 6 de Maio de 1989 foi finalmente ordenado sacerdote. Depois disso, durante um ano, fez vários tipos de serviços: foi capelão num hospital, organizou retiros para doentes, foi capelão numa congregação feminina e vigário numa paróquia polaca; até que em 1990, com 27 anos, veio para Portugal para frequentar um Curso Erasmus de Letras, na Universidade de Lisboa.
“Esse período foi muito interessante. Só na minha turma havia alunos de 14 nacionalidades, sendo que eu era o único e primeiro padre da história do curso”, diz. O objectivo do polaco era aprender a Língua Portuguesa, e, como tal, estar mais preparado para cumprir o seu desejo de partir rumo à Amazónia.
Cada vez mais perto de concretizar o seu sonho, o polaco regressou entretanto à sua terra natal já com o visto permanente para viajar para o Brasil. “Estava prontinho para finalmente ir para a selva amazónica quando o Cardeal Patriarca de Lisboa, António Ribeiro, pediu à congregação dos Palotinos, da qual faço parte, que fosse para a paróquia de Odivelas e eu lá fui”.
Em Odivelas, o Pe. João Pedro foi Vigário e o seu trabalho era essencialmente relacionado com o grupo de escuteiros e de jovens, com quem organizava peregrinações a Fátima (as primeiras de Lisboa), festivais, entre outras coisas.
“A paróquia era muito grande e muito complexa. Era um trabalho muito intenso mas motivador”, afirma, acrescentando que, entretanto, em 1997, é-lhe pedido que parta para o Rio de Janeiro, no Brasil, onde se veio a deparar com uma realidade bem diferente daquela de onde vinha.
“Nos primeiros tempos fiquei como pároco numa das favelas mais sangrentas do Brasil, a Favela da Maré. Era um local complicado, em que praticamente cada dia havia um novo cadáver no meio da rua. Porém, lá a igreja era muito respeitada e pude conhecer a hospitalidade e bondade daquele povo simples”, afirma.
Depois da favela, passou para a paróquia de Niterói, “uma das zonas mais bonitas que já vi”, e onde desenvolveu principalmente o trabalho com os mais necessitados e com os jovens. Aí as cerimónias, como nos conta, “eram muito animadas. A música era uma constante. As pessoas batiam palmas, cantavam e oravam com as mãos no ar… era muito bonito”.
Algum tempo depois, é eleito superior da congregação Palotina no Brasil e muda de funções. “Nesse período o meu trabalho era essencialmente visitar as comunidades de vários locais do Brasil. Cheguei finalmente a conhecer a Amazónia, mas o desejo de ser missionário por lá ainda não foi realizado”, revela-nos, sem qualquer tipo de mágoa.
Assim que terminou os quatro anos como superior da congregação, o Pe. João Pedro regressou, a seu pedido, para Portugal como Reitor da Congregação e Capelão dos polacos. “Na altura [2011] foi-me pedido que viesse para Febres porque os padres brasileiros que aqui estavam queriam regressar ao Brasil”, explica-nos.
O paraíso
Em Febres, refere, descobriu “um novo Portugal. Um Portugal talentoso, de pessoas que gostam de cantar, de compor, de tocar instrumentos”, afirma visivelmente feliz.
Actualmente também à frente das paróquias de São Caetano, Vilamar, Corticeiro de Cima e Praia de Mira, o Pe. João Pedro, que conta com a ajuda de dois vigários também polacos, refere que não tem mãos a medir: “Aqui, principalmente durante o Verão, as igrejas enchem. A nossa paróquia anima-se muito quando chegam os meses de Julho e Agosto, em que se realizam várias cerimónias de baptizado e casamento no mesmo dia”. Depois de ter passado por tantos locais, o padre polaco, que no meio da população se sente “como peixe na água”, já sabe como se adaptar às circunstâncias.
“Sou eclético e felizmente adapto-me muito bem aos lugares onde estou. Se estou no Brasil procuro ser brasileiro, se estou em Febres tento ser uma pessoa mais da terra. Aqui sei, por exemplo, que tenho que fazer homilias curtas para que não dispersem a atenção”.
Nas suas missas, preparadas atempadamente e ao pormenor, tenta introduzir sempre um pouco de actualidade e da história da igreja ou dos santos “menos conhecidos”. Ao mesmo tempo, aposta numa ligação forte com os paroquianos, “que cada vez têm mais tendência a afastarem-se da igreja por vários motivos”, demonstrando- se disponível para os ouvir ou ajudar quando necessário.
Fã assumido do Papa Francisco, o Pe. João Pedro concorda com o ideal de uma igreja “que tem espaço para todas as pessoas”. Uma igreja que não reprime, que não esconde, que não exclui: “O Padre Francisco é uma bênção porque fala muito aos sacerdotes e aos bispos tentando mudar um pouco a mentalidade, aquele clericalismo que não é muito saudável. É importante que as pessoas percebam que a igreja tem que ir para a periferia, onde as pessoas muitas vezes estão desprezadas e pouco amadas”.
Aos 52 anos, e com 26 anos de sacerdócio, a sua principal “missão” é, deste modo, tentar animar os vários sítios da freguesia, “porque há uns mais interessados em fazer coisas e outros menos”. “Quero que as pessoas ganhem mais vontade, mais ânimo pela religião e pela própria vida… Quando cá cheguei muitos destes lugares não comemoravam as suas festas e as igrejas e capelas estavam vazias, agora já se nota as coisas a mudarem”, afirma, orgulhoso.
Outros dos objectivos é apostar ainda mais nos cursos Alpha e COR (Curso de Orientação Religiosa), de forma a chegar a mais pessoas, essencialmente jovens, atraindo-as para a igreja e para a palavra de Deus. “Estes cursos trazem muitas mudanças. Várias pessoas que se julgavam totalmente afastadas da igreja, encontraram-se novamente depois de frequentarem estes cursos”, sublinha.
Voltar à Polónia, sem ser para férias, não faz parte dos planos do Padre João Pedro, pelo menos por enquanto. “Gosto de estar por Febres e, até permitirem, é aqui que prefiro ficar. Isto é o meu ‘paraíso’, é um sítio lindo, muito verde, e com muitas potencialidades”, afirma peremptório e de sorriso nos lábios, terminando a nossa entrevista com uma frase da Bíblia que muito lhe diz: “Não alcancei ainda o meu objectivo, nem sou perfeito, mas corro para ver se o alcanço já que fui alcançado por Jesus Cristo!”
Autor: Redacção (Carolina Leitão)
http://www.imprensaregional.com.pt/aurinegra/pagina/seccao/5/noticia/1444

Um comentário:

Anônimo disse...

Aproveite e dinamize mais a juventude dessa unidade pastoral! Só vemos pessoas de alguma idade e muito poucos jovens. Que tal irem a pé a Fátima? e terem uma juventude Palotina?
Deste problema já se queixavam os jovens que conheci em 2010 e que gostariam de se organizar, contudo o pároco à época não era muito aberto a essa ideia.
Boa sorte!