Para
o padre João Pedro, pároco de Febres, Agosto é significado de muito trabalho.
As igrejas enchem-se de fiéis e as cerimónias de casamento e baptizados
seguem-se umas atrás das outras. Ainda assim, foi com simpatia e
disponibilidade que o pároco nos abriu a porta de sua casa, onde nos contou
cada capítulo da sua vida…da Polónia a Portugal, passando pelo Brasil.
Chama-se
Jan Piotr Stawicki mas na freguesia de Febres todos o tratam por padre João
Pedro. Quem frequenta a igreja já lhe conhece a pronúncia, com um travo de
polaco e um outro tanto de português do Brasil, mas também a simpatia com que
acolhe todos os que procuram a palavra de Deus ou apenas alguém com quem
conversar.
Pároco
desta freguesia desde 2011, o Pe. João Pedro nasceu em 1963 na Polónia, mais
precisamente em Kowal, “um lugarzinho como Febres, com pouco mais de 5 mil
habitantes”. Oriundo de uma família numerosa, em que a religião era uma peça
central e onde se respiravam os valores cristãos, o polaco percebeu bem cedo
aquela que viria a ser a sua vocação: ser padre. “Quando eu era jovem, as
igrejas da Polónia estavam sempre cheias, assim como os seminários. Um dos meus
irmãos [tem cinco] já estava a estudar para padre e na minha família já havia
quatro padres (tios maternos e paternos) ”, refere, acrescentando que, talvez
por isso, não tenha havido grande sobressalto no momento em que decidiu contar
aos pais que iria para o seminário.
“Claro
que eles ficaram um pouco surpreendidos mas ficaram mais contentes ainda. Nessa
altura eu não era muito ‘santo’ e eles até ficaram satisfeitos por eu ter
escolhido um caminho certo no meio de tantos outros que podiam ser errados”,
refere com humor.
A
rebeldia da juventude, como nos conta, manifestava-se principalmente no
incumprimento dos horários estabelecidos pelos progenitores: “Os meus pais
ficavam preocupados porque nessa altura na Polónia existia o recolher
obrigatório à 20h00 e eu andava pela rua e não chegava a casa a horas. Muitas
vezes vinha já com os efeitos do gás lacrimogéneo, porque me metia nas brigas
com a polícia”, recorda.
Filho
do presidente de uma cooperativa agrícola, o Pe. João Pedro confessa ter tido
uma infância “muito feliz”, apesar da situação conturbada da Polónia, nesse
período ainda sob a alçada comunista. Enquanto petiz, o polaco afirma que era
de gostos simples: “Naquele tempo, uma pessoa alegrava-se com tudo o que tinha.
Não havia computadores, smartphones, nem nada disso… Muitas das vezes, o nosso
doce era um simples pão molhado com água e com açúcar por cima. Porém, apesar das
dificuldades, havia uma grande convivência”.
As
brincadeiras eram “muito semelhantes às portuguesas” e passavam- se
essencialmente na rua, a jogar futebol ou em corridas. “No entanto, os meus
desportos eram um pouco diferentes. Eu gostava mais de atletismo, especialmente
de salto em altura. Também costumava andar de planador e saltar de pára-quedas,
uma actividade que era muito desenvolvida na Polónia e acessível a todos”,
refere, desvendando-nos o seu lado mais radical.
Outro
dos hobbies do Pe. João Pedro, e que ainda hoje mantém, é tocar guitarra.
“Tocava na banda da escola, na banda da igreja, na banda da cidade, na banda
dos escuteiros [que frequentou durante 12 anos]… Na minha família havia muita
gente ligada à música e por isso esta fazia parte do nosso dia-a-dia. Nos povos
do Leste é muito comum tocar-se instrumentos, sobretudo de cordas”,
explica-nos.
O
início
Foi
durante o período de férias que o polaco descobriu que queria ser padre. “Na
altura, frequentava todos os Verões, com os meus amigos, um acampamento de duas
semanas que se chamava ‘Férias com Deus’ e que se realizava no Sul da Polónia,
no meio das montanhas”. Lá, os dias eram dedicados à oração, “mas havia também
muitas actividades, muita conversa e muito canto”, recorda o padre, acrescentando
que foi desses encontros que nasceu a sua vocação.
Antes,
chegou ainda a entrar na Faculdade de Varsóvia no Curso de Engenharia Florestal
mas logo desistiu e foi para a Sociedade do Apostolado Católico, a mesma
congregação que o irmão havia frequentado. “Entrei no curso para confirmar que
era capaz mas o meu desejo já era seguir pelo caminho do seminário. Cheguei
mais tarde que os outros seminaristas mas rapidamente apanhei as matérias e fiz
novos amigos”, conta-nos.
No
seminário a integração não poderia ter corrido melhor. Fez parte da banda de
música, participou em várias peregrinações e chegou a trabalhar com
toxicodependentes e alcoólatras. Mais tarde, tirou Filosofia e Teologia na
Universidade Católica de Varsóvia.
Ainda
durante os tempos de seminário, o Pe. João Pedro manteve sempre bem presente um
sonho: tornar-se missionário na Amazónia. “Já tinha a tendência para a floresta
e então tinha a ideia fixa de ir para lá”. Para tal, chegou a tirar um pequeno
curso de enfermagem, anestesiologista e instrumentalista, que punha em prática
no seminário ajudando o dentista e o médico de serviço e fazendo pequenos
curativos em quem necessitava. “Sabia que isso iria ser útil caso fosse para a
Amazónia. Porque lá, um padre deve ser também enfermeiro, professor, etc.”,
explica.
Durante
os anos de seminário, todavia, chegou a ponderar se o caminho que estava a
seguir era o correcto. “Várias vezes perguntei-me se era mesmo aquilo que
queria para a minha vida. Num momento crucial, quando já era Diácono, pedi a
Deus um sinal e ele deu-me um tão grande que não tive dúvidas de que era para
continuar”.
A 6
de Maio de 1989 foi finalmente ordenado sacerdote. Depois disso, durante um
ano, fez vários tipos de serviços: foi capelão num hospital, organizou retiros
para doentes, foi capelão numa congregação feminina e vigário numa paróquia
polaca; até que em 1990, com 27 anos, veio para Portugal para frequentar um
Curso Erasmus de Letras, na Universidade de Lisboa.
“Esse
período foi muito interessante. Só na minha turma havia alunos de 14
nacionalidades, sendo que eu era o único e primeiro padre da história do
curso”, diz. O objectivo do polaco era aprender a Língua Portuguesa, e, como
tal, estar mais preparado para cumprir o seu desejo de partir rumo à Amazónia.
Cada
vez mais perto de concretizar o seu sonho, o polaco regressou entretanto à sua
terra natal já com o visto permanente para viajar para o Brasil. “Estava
prontinho para finalmente ir para a selva amazónica quando o Cardeal Patriarca
de Lisboa, António Ribeiro, pediu à congregação dos Palotinos, da qual faço
parte, que fosse para a paróquia de Odivelas e eu lá fui”.
Em
Odivelas, o Pe. João Pedro foi Vigário e o seu trabalho era essencialmente
relacionado com o grupo de escuteiros e de jovens, com quem organizava peregrinações
a Fátima (as primeiras de Lisboa), festivais, entre outras coisas.
“A
paróquia era muito grande e muito complexa. Era um trabalho muito intenso mas
motivador”, afirma, acrescentando que, entretanto, em 1997, é-lhe pedido que
parta para o Rio de Janeiro, no Brasil, onde se veio a deparar com uma
realidade bem diferente daquela de onde vinha.
“Nos
primeiros tempos fiquei como pároco numa das favelas mais sangrentas do Brasil,
a Favela da Maré. Era um local complicado, em que praticamente cada dia havia
um novo cadáver no meio da rua. Porém, lá a igreja era muito respeitada e pude
conhecer a hospitalidade e bondade daquele povo simples”, afirma.
Depois
da favela, passou para a paróquia de Niterói, “uma das zonas mais bonitas que
já vi”, e onde desenvolveu principalmente o trabalho com os mais necessitados e
com os jovens. Aí as cerimónias, como nos conta, “eram muito animadas. A música
era uma constante. As pessoas batiam palmas, cantavam e oravam com as mãos no
ar… era muito bonito”.
Algum
tempo depois, é eleito superior da congregação Palotina no Brasil e muda de
funções. “Nesse período o meu trabalho era essencialmente visitar as
comunidades de vários locais do Brasil. Cheguei finalmente a conhecer a
Amazónia, mas o desejo de ser missionário por lá ainda não foi realizado”,
revela-nos, sem qualquer tipo de mágoa.
Assim
que terminou os quatro anos como superior da congregação, o Pe. João Pedro
regressou, a seu pedido, para Portugal como Reitor da Congregação e Capelão dos
polacos. “Na altura [2011] foi-me pedido que viesse para Febres porque os
padres brasileiros que aqui estavam queriam regressar ao Brasil”, explica-nos.
O
paraíso
Em
Febres, refere, descobriu “um novo Portugal. Um Portugal talentoso, de pessoas
que gostam de cantar, de compor, de tocar instrumentos”, afirma visivelmente
feliz.
Actualmente
também à frente das paróquias de São Caetano, Vilamar, Corticeiro de Cima e
Praia de Mira, o Pe. João Pedro, que conta com a ajuda de dois vigários também
polacos, refere que não tem mãos a medir: “Aqui, principalmente durante o
Verão, as igrejas enchem. A nossa paróquia anima-se muito quando chegam os
meses de Julho e Agosto, em que se realizam várias cerimónias de baptizado e
casamento no mesmo dia”. Depois de ter passado por tantos locais, o padre polaco,
que no meio da população se sente “como peixe na água”, já sabe como se adaptar
às circunstâncias.
“Sou
eclético e felizmente adapto-me muito bem aos lugares onde estou. Se estou no
Brasil procuro ser brasileiro, se estou em Febres tento ser uma pessoa mais da
terra. Aqui sei, por exemplo, que tenho que fazer homilias curtas para que não
dispersem a atenção”.
Nas
suas missas, preparadas atempadamente e ao pormenor, tenta introduzir sempre um
pouco de actualidade e da história da igreja ou dos santos “menos conhecidos”.
Ao mesmo tempo, aposta numa ligação forte com os paroquianos, “que cada vez têm
mais tendência a afastarem-se da igreja por vários motivos”, demonstrando- se
disponível para os ouvir ou ajudar quando necessário.
Fã
assumido do Papa Francisco, o Pe. João Pedro concorda com o ideal de uma igreja
“que tem espaço para todas as pessoas”. Uma igreja que não reprime, que não
esconde, que não exclui: “O Padre Francisco é uma bênção porque fala muito aos
sacerdotes e aos bispos tentando mudar um pouco a mentalidade, aquele
clericalismo que não é muito saudável. É importante que as pessoas percebam que
a igreja tem que ir para a periferia, onde as pessoas muitas vezes estão
desprezadas e pouco amadas”.
Aos
52 anos, e com 26 anos de sacerdócio, a sua principal “missão” é, deste modo,
tentar animar os vários sítios da freguesia, “porque há uns mais interessados
em fazer coisas e outros menos”. “Quero que as pessoas ganhem mais vontade,
mais ânimo pela religião e pela própria vida… Quando cá cheguei muitos destes
lugares não comemoravam as suas festas e as igrejas e capelas estavam vazias,
agora já se nota as coisas a mudarem”, afirma, orgulhoso.
Outros
dos objectivos é apostar ainda mais nos cursos Alpha e COR (Curso de Orientação
Religiosa), de forma a chegar a mais pessoas, essencialmente jovens,
atraindo-as para a igreja e para a palavra de Deus. “Estes cursos trazem muitas
mudanças. Várias pessoas que se julgavam totalmente afastadas da igreja,
encontraram-se novamente depois de frequentarem estes cursos”, sublinha.
Voltar
à Polónia, sem ser para férias, não faz parte dos planos do Padre João Pedro,
pelo menos por enquanto. “Gosto de estar por Febres e, até permitirem, é aqui
que prefiro ficar. Isto é o meu ‘paraíso’, é um sítio lindo, muito verde, e com
muitas potencialidades”, afirma peremptório e de sorriso nos lábios, terminando
a nossa entrevista com uma frase da Bíblia que muito lhe diz: “Não alcancei
ainda o meu objectivo, nem sou perfeito, mas corro para ver se o alcanço já que
fui alcançado por Jesus Cristo!”
Autor: Redacção
(Carolina Leitão)
http://www.imprensaregional.com.pt/aurinegra/pagina/seccao/5/noticia/1444
Um comentário:
Aproveite e dinamize mais a juventude dessa unidade pastoral! Só vemos pessoas de alguma idade e muito poucos jovens. Que tal irem a pé a Fátima? e terem uma juventude Palotina?
Deste problema já se queixavam os jovens que conheci em 2010 e que gostariam de se organizar, contudo o pároco à época não era muito aberto a essa ideia.
Boa sorte!
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