Viver a Misericórdia de Deus com Toda a
Criação
O tema desta reflexão está muito no meu coração e
ligado com as minhas raízes culturais. Eu cresci em contato direto com a
natureza e com os frutos da terra me alimentei. Sempre admirei a sua diversidade
e beleza. Recordo-me de que, quando pela primeira vez vi o oceano Atlântico,
não pude manter a emoção, e disse: Deus te fez! Semelhante experiência
aconteceu-me, quando me encontrei como missionário no interior do maior
“santuário da biodiversidade” do planeta: A Amazônia!
Hoje vivo na belíssima cidade de Roma, carregada de
vida, de história, de belezas, culturas, turistas e peregrinos, mas ao mesmo
tempo caótica e poluída que recebe milhares de irmãos imigrantes e refugiados.
Fugidos das guerras provocadas muitas vezes por interesses econômicos e pela
exploração humana. Estamos também espantados pela ameaça do terrorismo que
assume dimensões sempre mais drásticas em todo o mundo.
Dentro deste panorama somos chamados, como família
palotina na Igreja, a viver a misericórdia de Deus e cuidar de todo o criado.
Tema que ocupa o centro das reflexões do Papa Francisco e é também motivo de
preocupação para a ONU, para as organizações não governativas, para cientistas,
teólogos, igrejas, famílias e indivíduos. Trata-se da justa preocupação pela
nossa casa comum.
A mensagem bíblica sobre a criação é
fundamentalmente positiva. A criação é o primeiro ato de amor de Deus. Tudo
brota desta fonte do ser e da vida que é Deus mesmo, como o seio de uma mãe.
Sete vezes é dito que o que Deus fez é bom e bonito: “Deus contemplou toda a sua obra e viu que tudo era muito bom” (Gn
1,31) e o primeiro canto ao amor misericordioso do Senhor nasce da contemplação
da obra da Criação: “Louvai ao Senhor,
porque ele é bom; porque eterna é a sua misericórdia” (Sl 117,1).
Deus criou o homem e a mulher e com eles entrelaçou
o diálogo da amizade. Nas mãos deles colocou toda a criação para que a
protegessem e a cultivassem. E uma das coisas mais belas, alegres e
libertadoras, que nos deu para fazer, é contemplar a obra da criação e a nossa
pessoa no interior da mesma. Sentir-nos “criaturas”, objeto do interesse
amoroso e providente do Criador que nos coloca em lugar certo frente a Deus, em
verdadeira humildade alegre, cheia de gratidão e capaz de assumir as
responsabilidades que Ele nos entrega com o dom da vida.
A vocação humana será, pois, compreendida em termos
de cultivação e conservação de uma realidade preciosa e amada por Deus. De
outra parte, “«guardar» significa
proteger, cuidar, preservar, velar”. Neste sentido, cada comunidade pode
certamente “tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua
sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade
da sua fertilidade para as gerações futuras” (Laudato Sì (LS) n.67).
É este, portanto, um âmbito privilegiado para o
exercício de uma senhoria misericordiosa sobre o criado por parte de nós e de
toda a humanidade; para uma administração expressa em práticas de cuidado; para
tornar concreto aquele bonito anúncio pela terra e pela própria humanidade que
está no coração do Evangelho.
Como imagem e semelhança de Deus, somos chamados a
ser a manifestação da glória de Deus no mundo e os interlocutores de Deus sobre
a terra diante da criação. Somente nós podemos assumir na consciência uma
atitude de respeito pela natureza. Somente em nós pode emergir uma consciência
ecológica integral e misericordiosa.
Pela primeira vez, nos encontramos diante de uma
crise ecológica de dimensão planetária causada principalmente pela ação humana.
Além disso, estamos convencidos de que quanto aos recursos naturais essenciais
para a vida e a dignidade humana, pesa “uma
hipoteca social universal” (Cf. João Paulo II, Sollicitudo Rei Socialis n.
42), já que a terra é essencialmente uma herança comum cujos frutos devem estar
em benefício de todos. A terra contém recursos que são limitados, mas que são
suficientes para toda a humanidade.
A tutela do ambiente é um desafio para todas nós
que somos chamados a escutar o grito da terra e dos pobres desesperados. A
técnica e os progressos científicos podem contribuir muito para a humanização
do mundo, mas podem também ser instrumentos de destruição e de morte. Se ao
progresso técnico não corresponde um progresso de formação ética e de crescimento
integral do homem, acaba de ser progresso e torna-se uma ameaça para o homem e
para o mundo. A ecologia integral requer uma coneção do progresso técnico e
científico com a ética. Quando o homem se aproxima da questão ambiental, deve
afirmar o primado da ética sobre a técnica, e disto nasce a necessidade de
salvaguardar sempre a dignidade humana.
O consumismo e o esbanjamento de recursos, que
deixam na miséria grande parte da população humana, opõem-se a qualquer opção
ética ecologicamente integral correta. A eliminação da miséria é um dos
primeiros passos que o homem pode fazer para resolver os problemas ecológicos.
Para que isto possa acontecer, se requere uma “conversão ecológica” dos
indivíduos e dos povos, especialmente daqueles que têm grande abundância de
riqueza.
A destruição do ambiente e os problemas ecológicos
sofrem em grande parte de uma ofuscação da consciência ética do homem. Por
isso, alguns elementos desta crise ecológica revelam o seu caráter moral.
Assim, a crise ecológica nos dá a ocasião de uma
crítica radical de como nós estamos organizando a produção dos bens e a
convivência humana. Além disso, nos indica um novo paradigma na relação entre a
natureza e os seres humanos. É necessário apontar a um novo modo de viver e de
pensar, não se limitando a conceber a natureza somente como um recurso a
explorar. Quanto a isso, é necessário que haja uma conversão ecológica mediante
a qual o ser humano cesse de se compreender como indivíduo separado, a fim de
ser visto como parte de um conjunto, capaz de inter-relações naturais e
sociais. Tal compreensão de si leva a uma conversão ética e espiritual que gera
o comportamento e a atitude de respeito, auto-limitação,
justa medida e solidariedade para com a natureza e
os seres humanos.
Daqui vem a consciência de que as soluções devem
ser geradas e desenvolvidas, no íntimo de nós mesmos, já que o modo melhor de
respeitar a natureza é aquele de promover uma “ecologia humana integral” aberta à transcendência. O respeito pelo
homem e pela natureza tem uma reciprocidade complementar. A primeira ecologia a
defender é a “ecologia humana”. Se a
“ecologia humana” vai bem, toda a
criação será também beneficiada. De fato, a crise ecológica nasce quase sempre
dos nossos desertos espirituais e sociais.
A ecologia integral e misericordiosa exige uma
mudança efetiva de mentalidade que nos impele a adotar novos estilos de vida.
Tais estilos de vida devem ser inspirados pela sobriedade, pela temperança e
pela auto-disciplina pessoal e social. É necessário sair da lógica de simples
consumo e promover formas de produção que respeitem a ordem da criação e que
satisfaçam às necessidades de todos. Uma atitude semelhante favorece uma
consciência renovada da inter-dependência que liga juntos todos os habitantes
da terra. Esta nos convida a ser agentes de mudança das causas estruturais que
geram tal comportamento. Nesta direção, a formação da consciência e de uma
espiritualidade integral tem um papel fundamental.
Somos chamados a renunciar a um estilo de vida
agressivo e a adotar, ao contrário, a gentileza, o cuidado das relações e o
valor da dignidade do outro. A ecologia humana integral não revela somente a
relação entre o homem e o ambiente, mas também a relação do homem consigo mesmo
e com o Criador. Os deveres para com o ambiente derivam daqueles para com a
pessoa, considerada em si e em relação com os outros.
Tudo isto requer também uma resposta no nível da
espiritualidade, inspirada pela convicção de que a criação é um dom que Deus
colocou nas mãos responsáveis do homem, para o seu uso, reconhecimento,
gratidão e amoroso cuidado. A natureza apresenta-se aos olhos do homem como uma
marca de Deus, como um lugar em que se revela a sua potência criadora,
providente e redentora. Para que isto seja possível , devemos ajudar-nos a achar
novamente a sua conexão com Deus e a missão que lhe foi dada de ser “custode e
pastor” de si mesmo, dos outros e de toda a criação. A nova criação em Cristo e
a criação contínua revela que nada do que existe neste mundo é indiferente ao
desígnio criador e redentor de Deus.
Certamente, como família inspirada em S. Vicente
Pallotti, que põe o fundamento de nossa vocação comum, no sermos criados à
imagem e semelhança de Deus, somos convidados a pôr em ação um novo estilo de
vida e novas prospectivas missionárias e cantar a misericórdia de Deus com
todas as criaturas.
Do nosso
fundador São Vicente Pallotti:
« Ó, meu Deus, a fé me recorda que Vós sois
bondade infinita e como tal sois infinitamente difusivo, e com amor infinito
deste toda a eternidade havias misericordiosamente decretado a obra inefavel da
criação de todo o universo para propagar, nas vossas criaturas, todo Vós mesmo
eterno, infinito, imenso, incompreensível. [...] Ó, meu Deus, a fé nos recorda
que realizastes o amoroso designo da criação, e que, antes de criar o homem,
criou o céu, a terra, e no céu os Anjos, e na terra todo o visível: os Anjos
que são espíritos bem-aventurados para assistir os homens nas suas necessidades
da alma e do corpo, pondo toda a criação a serviço do humano, a fim de que provisto
todo o necessário para a sua vida presente e, para usá-las tanto quanto fosse
necessário, para chegar ao último e único bem-aventurado fim» (OOCC
XIII, pp. 30-31).
« O homem foi criado, como nos ensina a sagrada
fé, à imagem e semelhança de Deus. Deus é caridade por essência, portanto, o
homem, segundo a essência da sua criação é uma viva imagem da caridade divina:
Deus, sendo caridade por essência, nas suas ações externas, é sempre solicitado
em vantagem do homem e o foi desde quando mandou o seu Unigênito para redimir o
gênero humano, com sua morte de cruz. Assim, o homem deve, dentro de suas
possibilidaes, imitar Deus amando, com a eficácia de suas obras, o seu próximo
que comprende a cada um na sua condição, ambiente, nação etc. Capaz de conhecer
Deus, o homem, segundo a essência da sua criação, não pode viver sem o preceito
da caridade» (OOCC IV, pp. 172-3).
Para
reflexão pessoal e comunitária:
«
L’ambiente è un bene collettivo, patrimonio di tutta l’umanità e responsabilità
di tutti. Chi ne possiede una parte è solo per amministrarla a beneficio di
tutti. Se non lo facciamo, ci carichiamo sulla coscienza il peso di negare
l’esistenza degli altri. Per questo i Vescovi della Nuova Zelanda si sono
chiesti che cosa significa il comandamento “non uccidere” quando «un venti per
cento della popolazione mondiale consuma risorse in misura tale da rubare alle
nazioni povere e alle future generazioni ciò di cui hanno bisogno per
sopravvivere » (LS n. 95).
• Consideramos que todas as coisas criadas por
Deus são boas e que nós as temos como seu dom e que somos chamados a
partilhá-las e usá-las para o bem de todos?
• De que forma e em que medida estamos vivendo as
consequências disso em nosso dia-a-dia, como indivíduos, famílias e
comunidades?
• Que passos práticos nos dispomos a assumir como
indivíduos, famílias, comunidades, CCN e CCL, para ajudarmos a construir uma
sociedade capaz de cuidar de toda a criação?
Pe.
Gilberto Orsolin SAC,
Roma