sábado, 24 de janeiro de 2015

Inspiração e modelo na promoção do apostolado na vida e na obra de São Vicente Pallotti

Homilia do Reitor Geral da SAC, Pe. Jacob Nampudakam, do terceiro dia do Tridum em honra de São Vincente Pallotti, proclamada na igreja de SS. Salavadore in Onda em Roma.


Caros irmãos e irmãs em Cristo!
Neste último dia do tríduo em honra do santo Fundador, somos convidados a meditar sobre o tema: “Inspiração e modelo na promoção do apostolado na vida e na obra de São Vicente Pallotti”.
Iniciamos nossa reflexão partindo do texto do Evangelho de hoje sobre a missão dos setenta e dois discípulos (cf. Lc 10,1- 12). Junto com o envio dos doze apóstolos, episódio trazido também por Marcos e Mateus, Lucas nos narra também um segundo episódio, que lhe próprio: o envio em missão dos setenta e dois discípulos. A intenção é mostrar que a missão não é confiada unicamente ao estreito grupo dos apóstolos, mas ao círculo mais vasto dos discípulos. A tarefa de anunciar Cristo entra na vocação cristã de cada batizado e deve estender-se a toda a terra: o número setenta e dois retoma a tradição judaica que considerava que as nações da terra fossem, precisamente, setenta e duas. Conhecemos bem o conceito de apostolado universal, ou seja, a chamada de todos os batizados a participar na missão da Igreja, profeticamente intuído pro S. Vicente e aceito totalmente, hoje, pela Igreja.
O evangelista introduz o episódio, ligando-o às palavras sobre o seguimento:
“Enviou-os dois a dois...”. A missão supõe um envio e envio missionário, isto é, cada cristão deve estar consciente que recebeu um encargo que deve realizar com fidelidade e nos termos estabelecidos. No conceito de enviar está também a ideia de viagem, de partir, de dispersão: “Ide!”. Não são os povos que devem encaminhar-se em direção dos discípulos, mas os discípulos é que devem correr em direção dos povos. Este modo de pensar a missão acentua fortemente a ideia da universalidade e do serviço, um tema tão caro ao Papa Francisco: ir em busca das ovelhas e não fechar-nos dentro de nós mesmos ou de nossas estruturas.
Mas quais são os comportamentos e sentimentos que Jesus pretende de seus missionários?
1.      Antes de tudo, a consciência da urgência e da vastidão da tarefa: “A messe é
grande...”. Desta consciência jorra a necessidade da oração: “Pedi ao dono da messe...”. A urgência e a vastidão da tarefa são sublinhadas por outra advertência: “Pelo caminho não saudeis a ninguém”. Não há tempo para conversações inúteis, para coisas secundárias. O discípulo concentra-se sobre o essencial e não há tempo a perder. A realidade é que há muito trabalho a fazer. Posso testemunhá-lo na minha pequena experiência no mundo palotino. O povo de Deus nos espera na Itália, em Moçambique, no Vietnam, em Cuba, etc. Respondemos-lhes simplesmente que não temos nem pessoal, nem dinheiro? A questão central é: que critério usamos nas nossas escolhas: o Evangelho ou as nossas seguranças?
2.      A segunda atitude sugerida pelo Evangelista é a pobreza: “Não leveis nem
bolsa, nem sacola...”. Trata-se de uma liberdade indispensável para que a pureza do Evangelho seja salva e o modo de viver torne acreditável o mesmo Evangelho. Mostra, de fato, diante de todos a confiança que o missionário tem no Pai. Eis o verdadeiro desafio para todos nós. É verdade: a pergunta sobre quem paga pelo que fazemos, permanece válida. Também é verdade que alguém pagou por aquilo que temos. Mas, se o que fazemos é uma verdadeira obra de Deus, se não é somente um reino que construímos por nós mesmos, se o que diz o Evangelho é verdadeiro e se acreditamos nestas palavras, encontraremos o pessoal e os meios necessários. Tendo entrevisto a possibilidade e dando-me conta da importância de abrir uma missão no Vietnam, fiz um apelo a um Reitor Regional, pedindo-lhe pessoas disponíveis a partir: com grande surpresa dois membros jovens e capacitados estão prontos a ir ao Vietnam. Estamos à espera de um Bispo que os acolha.
3.      Por fim, a terceira atitude: a consciência e a aceitação de uma situação
desproporcional: “Eu vos envio como cordeiros ao meio de lobos”. O choque com o mundo não é com armas iguais, mas o cristão deve ter fé na Palavra que anuncia, mesmo se esta parece inadequada em relação com a tarefa. Frequentemente é a falta de fé que impede a Palavra de manifestar a força de Deus que ela esconde. O sucesso de nosso trabalho apostólico ou missionário não é determinado pelo número de membros ou da soma de dinheiro no banco, mas pelo espírito evangélico e santidade de vida de quem é enviado. Uma das missões mais dinâmicas da nossa Sociedade é aquela de Arunachal Pradesh, no nordeste da Índia, fundada por um confrade que partiu para essas montanhas do Himalaya, quando tinha mais de 70 anos.

Retornando a São Vicente, podemos constatar que ele desenvolveu uma profunda base teológica, espiritual e mística para sua inspiração e para seu modelo apostólico. Para compreendê-lo melhor é preciso iniciar pela experiência que ele fez de Deus, amor infinito e misericordioso, partindo da Sagrada Escritura: “Deus tanto amou o mundo a ponto de dar-lhe seu Filho Unigênito” (Jo 3,16). “Esta é a vida eterna: que te conheçam a Ti, o único Deus, e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3). “Por isso... fixai bem os olhos em Jesus, o Apóstolo...” (Hb 3,1). São Vicente Pallotti, inspirando-se continuamente na Sagrada Escritura e evidenciando o primado da graça de Deus, fixava seu olhar sobre o Enviado do Eterno Pai, isto é, o Apóstolo do Eterno Pai: “Nosso Senhor Jesus Cristo é o Apóstolo do Divino Pai Eterno porque enviado por Ele (...) O apostolado de Jesus Cristo é a sua obediência ao preceito do Pai celeste...”. O carisma do Fundador e a sua espiritualidade expõem à luz a dimensão apostólica da vida e da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. “Fonte, origem mestre de todo apostolado para os que pertencem à União é Jesus Cristo, Apóstolo do Eterno Pai” (cf. Hb 3,1), diz o Estatuto da União. Assim Vicente Pallotti, que quis ter e viver “os mesmos sentimentos que tinha Jesus Cristo” (Fl 2,5), mostra-se um Seu grande imitador e seguidor. Portanto, os sentimentos de Jesus tornam-se o ritmo da vida do santo Fundador. Diz São
Vicente: “A vida de Jesus Cristo é a minha vida... A crucifixão de Jesus Cristo é minha... A obediência de Jesus Cristo é minha... A fortaleza de Jesus Cristo é minha... As obras de Jesus Cristo são minhas obras... a pregação feita por Jesus Cristo aos pobres é minha... a plenitude do poder do Sacrifício de Jesus Cristo é minha... Em resumo, como dizia São Paulo, “Eu vivo, mas não eu, Cristo vive em mim”. Esta era a sua regra. 
E este também é o programa dos membros da sua Fundação. “A regra fundamental da nossa mínima Congregação é a vida de N. S. Jesus Cristo, para imitá-lo com humildade e confiança, com toda a possível perfeição, em todas as Obras da Vida oculta, e do público ministério evangélico, para a maior glória de Deus Pai celeste, e para a maior santificação da nossa alma e dos nossos próximos...”.
Conhecer, amar e seguir o Apóstolo do Pai: eis a dinâmica da vida de
São Vicente Pallotti e a fundamental inspiração da sua espiritualidade e o modelo do seu apostolado. Neste contexto compreendemos melhor a convicção e a paixão interior de Vicente Pallotti, expressas nas palavras seguintes: “A cada um mandou Deus procurar a salvação eterna do seu próximo; e como para realizar tais preceitos devemos imitar Jesus Cristo, que é o Apóstolo do Eterno Pai, por isso a vida de Jesus Cristo, que é o seu apostolado, deve ser o modelo do Apostolado de cada um; e como todos somos chamados, e mais, obrigados a imitar Jesus Cristo, assim todos, na proporção de sua condição e estado, são chamados ao Apostolado...”
Neste dia em que tantos membros da família Palotina estão reunidos para honrar o nosso Santo Fundador Vicente Pallotti, quereria insistir que a verdadeira inspiração e modelo para a nossa vida e apostolado é sempre Jesus, o Apóstolo do Pai. Chegou o momento de meditar profundamente sobre estas palavras do nosso Fundador e de colocá-las em prática. A vida mesma de Jesus era o seu apostolado. Portanto, o apostolado não é tanto uma questão de fazer, mas de ser, de dar testemunho de Jesus Cristo. Da minha pequena experiência na Sociedade do Apostolado Católico, gostaria de tomar em consideração quatro pontos que considero de grande importância para nós.
            Em primeiro lugar, temos necessidade de voltar sempre mais ao espírito do Evangelho, à vida e às obras de Jesus. Isto deve sempre ser o centro de nossa meditação. Isto significa que a Palavra de Deus deve tornar-se a luz constante para nossos passos.
Em segundo lugar, devemos descobrir mais profundamente e viver mais concretamente a espiritualidade de São Vicente Pallotti. Ele é um santo, um místico e um profeta do nosso tempo. Ele nos ensinará e nos guiará no seguimento de Jesus. Maria, Rainha dos Apóstolos, nos sustentará com sua materna solicitude e proteção.
Em terceiro lugar temos necessidade de redespertar mais o zelo missionário. Trata-se de um espírito missionário que deriva de nossa imitação de Jesus, o Apóstolo do Pai. Este espírito missionário deveria ser o fruto de um profundo caminho espiritual e não só um conjunto de projetos humanos. Deve ser a nossa resposta ao grito do povo de Deus.
Em quarto lugar a Eucaristia e a adoração ao Santíssimo Sacramento são os dois meios mais eficazes para viver a comunhão com Jesus. Temos necessidade de mais tempo para a adoração do Senhor e para contemplar e experimentar o seu amor e a sua misericórdia para connosco e para com o povo de Deus, em particular pelos mais necessitados. Neste sentido o nosso carisma encontrou sua concretização na vida e nas obras das Irmãs Eucarísticas Palotinas que, como lembra já o nome, colocam a dimensão eucarística da vida cristã no centro do seu apostolado. Temos necessidade de ter o coração compassivo de Jesus para servir o seu povo, justo como Vicente fez e como está fazendo agora Papa Francisco, dando-nos um testemunho autêntico. A vida cristã e o nosso mandato missionário reclamam de nós que demos testemunho do Senhor crucificado e ressuscitado e nas suas obras de compaixão e de amor.
Trago-vos o testemunho vivo e autentico de um cristão, de um pastor segundo o Coração de Jesus. A 16 de janeiro de 2015, depois da missa na catedral da cidade, Papa Francisco ficou uns vinte minutos na companhia de meninos da rua, nas Filipinas. As autoridades filipinas tinham decidido “dar hospedagem” a estes meninos de rua em centros de detenção para “ter ruas limpas”, por ocasião da visita do Papa. Mais tarde, durante o encontro com os jovens de Manila, o Santo Padre citou a pergunta de Jun, ex-menina de rua que, chorando, perguntava: “Por que Deus permite isto, e por que tão poucas pessoas nos ajudam?”. “Convido a cada um de vós, acrescentou, a perguntar-se: aprendi a chorar quando vejo uma criança com fome, um menino de rua que usa drogas, um menino sem casa, abandonado, abusado, que a sociedade escraviza?”. “Ela compreendeu o nosso drama, - prosseguiu Papa Francisco - ao mundo de hoje falta a capacidade de como chorar; choram os marginalizados, choram os desprezados, porém não entendemos muito estas pessoas se não choramos; certas verdades da vida só se veem com os olhos das lágrimas. Esta é primeira coisa que vos queria dizer: prendamos a chorar – concluiu – como hoje nos ensinou o testemunho; a grande resposta que podemos dar à grande pergunta de hoje é: ‘aprendamos a chorar”. “Quando o coração é capaz de fazer-se esta pergunta e de chorar, - disse o Papa – podemos compreender; há uma compaixão mundana que, ao máximo, nos faz meter a mão no bolso e dar uma moeda. Se Cristo tivesse tido este tipo de compaixão teria passado, teria curado três ou quatro e teria retornado ao Pai”.
Portanto, eis o verdadeiro sentido de seguir Jesus Cristo, Apóstolo do Eterno
Pai, como escutamos também na Primeira Leitura do Profeta Isaías: “Não é antes este o jejum que quero: romper as cadeias iníquas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos e quebrar toda espécie de jugo? Não consiste, talvez, em dividir o pão com o que tem fome, dar abrigo aos infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos, em lugar de desviar-se de seu semelhante? Então a tua luz surgirá como a aurora, a tua ferida cicatrizará logo. A tua justiça caminhará diante de ti e a glória do Senhor te seguirá” (Is 58,6-9).
Boas festas para todos vós! Rezo para que nós, membros da grande família de São Vicente Pallotti, descubramos, sempre com mais profundidade, a herança espiritual e apostólica deste santo, místico e profeta; vivamos com grande empenho e alegria a nossa vocação cristã e missionária, sempre a serviço da única Igreja de Jesus, Apóstolo do Pai. Rezemos para que, pela intercessão de Maria, Rainha dos Apóstolos, o Evangelho seja verdadeiramente a única regra de nossa vida e de nosso apostolado. Amém.
Pe. Jacob Nampudakam SAC
Reitor Geral da SAC
Roma, 21 de janeiro de 2015

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