Neste último
dia do tríduo em honra do santo Fundador, somos convidados a meditar sobre o
tema: “Inspiração e modelo na promoção do apostolado na vida e na obra de São
Vicente Pallotti”.
Iniciamos
nossa reflexão partindo do texto do Evangelho de hoje sobre a missão dos
setenta e dois discípulos (cf. Lc 10,1- 12). Junto com o envio dos doze
apóstolos, episódio trazido também por Marcos e Mateus, Lucas nos narra também
um segundo episódio, que lhe próprio: o envio em missão dos setenta e dois
discípulos. A intenção é mostrar que a missão não é confiada unicamente ao
estreito grupo dos apóstolos, mas ao círculo mais vasto dos discípulos. A
tarefa de anunciar Cristo entra na vocação cristã de cada batizado e deve
estender-se a toda a terra: o número setenta e dois retoma a tradição judaica
que considerava que as nações da terra fossem, precisamente, setenta e duas.
Conhecemos bem o conceito de apostolado universal, ou seja, a chamada de todos
os batizados a participar na missão da Igreja, profeticamente intuído pro S.
Vicente e aceito totalmente, hoje, pela Igreja.
O
evangelista introduz o episódio, ligando-o às palavras sobre o seguimento:
“Enviou-os
dois a dois...”. A missão supõe um envio e envio missionário, isto é, cada
cristão deve estar consciente que recebeu um encargo que deve realizar com
fidelidade e nos termos estabelecidos. No conceito de enviar está também a
ideia de viagem, de partir, de dispersão: “Ide!”. Não são os povos que devem
encaminhar-se em direção dos discípulos, mas os discípulos é que devem correr
em direção dos povos. Este modo de pensar a missão acentua fortemente a ideia
da universalidade e do serviço, um tema tão caro ao Papa Francisco: ir em busca
das ovelhas e não fechar-nos dentro de nós mesmos ou de nossas estruturas.
Mas quais
são os comportamentos e sentimentos que Jesus pretende de seus missionários?
1. Antes de tudo, a consciência da
urgência e da vastidão da tarefa: “A messe é
grande...”.
Desta consciência jorra a necessidade da oração: “Pedi ao dono da messe...”. A
urgência e a vastidão da tarefa são sublinhadas por outra advertência: “Pelo
caminho não saudeis a ninguém”. Não há tempo para conversações inúteis, para
coisas secundárias. O discípulo concentra-se sobre o essencial e não há tempo a
perder. A realidade é que há muito trabalho a fazer. Posso
testemunhá-lo na minha pequena experiência no mundo palotino. O povo de Deus
nos espera na Itália, em Moçambique, no Vietnam, em Cuba, etc. Respondemos-lhes
simplesmente que não temos nem pessoal, nem dinheiro? A questão central é: que
critério usamos nas nossas escolhas: o Evangelho ou as nossas seguranças?
2. A segunda atitude sugerida pelo
Evangelista é a pobreza: “Não leveis nem
bolsa, nem
sacola...”. Trata-se de uma liberdade indispensável para que a pureza do
Evangelho seja salva e o modo de viver torne acreditável o mesmo Evangelho.
Mostra, de fato, diante de todos a confiança que o missionário tem no Pai. Eis
o verdadeiro desafio para todos nós. É verdade: a pergunta sobre quem paga pelo
que fazemos, permanece válida. Também é verdade que alguém pagou por aquilo que
temos. Mas, se o que fazemos é uma verdadeira obra de Deus, se não é somente um
reino que construímos por nós mesmos, se o que diz o Evangelho é verdadeiro e
se acreditamos nestas palavras, encontraremos o pessoal e os meios necessários.
Tendo entrevisto a possibilidade e dando-me conta da importância de abrir uma
missão no Vietnam, fiz um apelo a um Reitor Regional, pedindo-lhe pessoas
disponíveis a partir: com grande surpresa dois membros jovens e capacitados
estão prontos a ir ao Vietnam. Estamos à espera de um Bispo que os acolha.
3. Por fim, a terceira atitude: a
consciência e a aceitação de uma situação
desproporcional:
“Eu vos envio como cordeiros ao meio de lobos”. O choque com o mundo não é com armas
iguais, mas o cristão deve ter fé na Palavra que anuncia, mesmo se esta parece
inadequada em relação com a tarefa. Frequentemente é a falta de fé que impede a
Palavra de manifestar a força de Deus que ela esconde. O sucesso de nosso
trabalho apostólico ou missionário não é determinado pelo número de membros ou
da soma de dinheiro no banco, mas pelo espírito evangélico e santidade de vida
de quem é enviado. Uma das missões mais dinâmicas da nossa Sociedade é aquela
de Arunachal Pradesh, no nordeste da Índia, fundada por um confrade que partiu
para essas montanhas do Himalaya, quando tinha mais de 70 anos.
Retornando a
São Vicente, podemos constatar que ele desenvolveu uma profunda base teológica,
espiritual e mística para sua inspiração e para seu modelo apostólico. Para
compreendê-lo melhor é preciso iniciar pela experiência que ele fez de Deus,
amor infinito e misericordioso, partindo da Sagrada Escritura: “Deus tanto amou
o mundo a ponto de dar-lhe seu Filho Unigênito” (Jo 3,16). “Esta é a vida
eterna: que te conheçam a Ti, o único Deus, e aquele que enviaste, Jesus
Cristo” (Jo 17,3). “Por isso... fixai bem os olhos em Jesus, o Apóstolo...” (Hb
3,1). São Vicente Pallotti, inspirando-se continuamente na Sagrada Escritura e
evidenciando o primado da graça de Deus, fixava seu olhar sobre o Enviado do
Eterno Pai, isto é, o Apóstolo do Eterno Pai: “Nosso Senhor Jesus Cristo é o
Apóstolo do Divino Pai Eterno porque enviado por Ele (...) O apostolado de
Jesus Cristo é a sua obediência ao preceito do Pai celeste...”. O carisma do
Fundador e a sua espiritualidade expõem à luz a dimensão apostólica da vida e
da morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. “Fonte, origem mestre de todo apostolado
para os que pertencem à União é Jesus Cristo, Apóstolo do Eterno Pai” (cf. Hb
3,1), diz o Estatuto da União. Assim Vicente Pallotti, que quis
ter e viver “os mesmos sentimentos que tinha Jesus Cristo” (Fl 2,5), mostra-se
um Seu grande imitador e seguidor. Portanto, os sentimentos de Jesus tornam-se
o ritmo da vida do santo Fundador. Diz São
Vicente: “A
vida de Jesus Cristo é a minha vida... A crucifixão de Jesus Cristo é minha...
A obediência de Jesus Cristo é minha... A fortaleza de Jesus Cristo é minha...
As obras de Jesus Cristo são minhas obras... a pregação feita por Jesus Cristo
aos pobres é minha... a plenitude do poder do Sacrifício de Jesus Cristo é
minha... Em resumo, como dizia São Paulo, “Eu vivo, mas não eu, Cristo vive em
mim”. Esta era a sua regra.
E este
também é o programa dos membros da sua Fundação. “A regra fundamental da nossa
mínima Congregação é a vida de N. S. Jesus Cristo, para imitá-lo com humildade
e confiança, com toda a possível perfeição, em todas as Obras da Vida oculta, e
do público ministério evangélico, para a maior glória de Deus Pai celeste, e
para a maior santificação da nossa alma e dos nossos próximos...”.
Conhecer,
amar e seguir o Apóstolo do Pai: eis a dinâmica da vida de
São Vicente
Pallotti e a fundamental inspiração da sua espiritualidade e o modelo do seu
apostolado. Neste contexto compreendemos melhor a convicção e a paixão interior
de Vicente Pallotti, expressas nas palavras seguintes: “A cada um mandou Deus
procurar a salvação eterna do seu próximo; e como para realizar tais preceitos
devemos imitar Jesus Cristo, que é o Apóstolo do Eterno Pai, por isso a vida de
Jesus Cristo, que é o seu apostolado, deve ser o modelo do Apostolado de cada
um; e como todos somos chamados, e mais, obrigados a imitar Jesus Cristo, assim
todos, na proporção de sua condição e estado, são chamados ao Apostolado...”
Neste dia em
que tantos membros da família Palotina estão reunidos para honrar o nosso Santo
Fundador Vicente Pallotti, quereria insistir que a verdadeira inspiração e
modelo para a nossa vida e apostolado é sempre Jesus, o Apóstolo do Pai. Chegou
o momento de meditar profundamente sobre estas palavras do nosso Fundador e de
colocá-las em prática. A vida mesma de Jesus era o seu apostolado. Portanto, o
apostolado não é tanto uma questão de fazer, mas de ser, de dar testemunho de
Jesus Cristo. Da minha pequena experiência na Sociedade do Apostolado Católico,
gostaria de tomar em consideração quatro pontos que considero de grande
importância para nós.
Em primeiro lugar, temos necessidade
de voltar sempre mais ao espírito do Evangelho, à vida e às obras de Jesus.
Isto deve sempre ser o centro de nossa meditação. Isto significa que a Palavra
de Deus deve tornar-se a luz constante para nossos passos.
Em segundo
lugar, devemos descobrir mais profundamente e viver mais concretamente a
espiritualidade de São Vicente Pallotti. Ele é um santo, um místico e um
profeta do nosso tempo. Ele nos ensinará e nos guiará no seguimento de Jesus.
Maria, Rainha dos Apóstolos, nos sustentará com sua materna solicitude e
proteção.
Em terceiro lugar temos necessidade de redespertar
mais o zelo missionário. Trata-se de um espírito missionário que deriva de
nossa imitação de Jesus, o Apóstolo do Pai. Este espírito missionário deveria
ser o fruto de um profundo caminho espiritual e não só um conjunto de projetos
humanos. Deve ser a nossa resposta ao grito do povo de Deus.
Em quarto lugar
a Eucaristia e a adoração ao Santíssimo Sacramento são os dois meios mais
eficazes para viver a comunhão com Jesus. Temos necessidade de mais tempo para
a adoração do Senhor e para contemplar e experimentar o seu amor e a sua
misericórdia para connosco e para com o povo de Deus, em particular pelos mais
necessitados. Neste sentido o nosso carisma encontrou sua concretização na vida
e nas obras das Irmãs Eucarísticas Palotinas que, como lembra já o nome,
colocam a dimensão eucarística da vida cristã no centro do seu apostolado.
Temos necessidade de ter o coração compassivo de Jesus para servir o seu povo,
justo como Vicente fez e como está fazendo agora Papa Francisco, dando-nos um
testemunho autêntico. A vida cristã e o nosso mandato missionário reclamam de
nós que demos testemunho do Senhor crucificado e ressuscitado e nas suas obras
de compaixão e de amor.
Trago-vos o
testemunho vivo e autentico de um cristão, de um pastor segundo o Coração de
Jesus. A 16 de janeiro de 2015, depois da missa na catedral da cidade, Papa
Francisco ficou uns vinte minutos na companhia de meninos da rua, nas
Filipinas. As autoridades filipinas tinham decidido “dar hospedagem” a estes
meninos de rua em centros de detenção para “ter ruas limpas”, por ocasião da
visita do Papa. Mais tarde, durante o encontro com os jovens de Manila, o Santo
Padre citou a pergunta de Jun, ex-menina de rua que, chorando, perguntava: “Por
que Deus permite isto, e por que tão poucas pessoas nos ajudam?”. “Convido a
cada um de vós, acrescentou, a perguntar-se: aprendi a chorar quando vejo uma
criança com fome, um menino de rua que usa drogas, um menino sem casa,
abandonado, abusado, que a sociedade escraviza?”. “Ela compreendeu o nosso
drama, - prosseguiu Papa Francisco - ao mundo de hoje falta a capacidade de
como chorar; choram os marginalizados, choram os desprezados, porém não
entendemos muito estas pessoas se não choramos; certas verdades da vida só se veem
com os olhos das lágrimas. Esta é primeira coisa que vos queria dizer:
prendamos a chorar – concluiu – como hoje nos ensinou o testemunho; a grande
resposta que podemos dar à grande pergunta de hoje é: ‘aprendamos a chorar”. “Quando
o coração é capaz de fazer-se esta pergunta e de chorar, - disse o Papa – podemos
compreender; há uma compaixão mundana que, ao máximo, nos faz meter a mão no
bolso e dar uma moeda. Se Cristo tivesse tido este tipo de compaixão teria
passado, teria curado três ou quatro e teria retornado ao Pai”.
Portanto,
eis o verdadeiro sentido de seguir Jesus Cristo, Apóstolo do Eterno
Pai, como
escutamos também na Primeira Leitura do Profeta Isaías: “Não é antes este o
jejum que quero: romper as cadeias iníquas, desatar as cordas do
jugo, mandar embora livres os oprimidos e quebrar toda espécie de jugo? Não
consiste, talvez, em dividir o pão com o que tem fome, dar abrigo aos infelizes
sem asilo, vestir os maltrapilhos, em lugar de desviar-se de seu semelhante?
Então a tua luz surgirá como a aurora, a tua ferida cicatrizará logo. A tua
justiça caminhará diante de ti e a glória do Senhor te seguirá” (Is 58,6-9).
Boas festas
para todos vós! Rezo para que nós, membros da grande família de São Vicente
Pallotti, descubramos, sempre com mais profundidade, a herança espiritual e
apostólica deste santo, místico e profeta; vivamos com grande empenho e alegria
a nossa vocação cristã e missionária, sempre a serviço da única Igreja de
Jesus, Apóstolo do Pai. Rezemos para que, pela intercessão de Maria, Rainha dos
Apóstolos, o Evangelho seja verdadeiramente a única regra de nossa vida e de
nosso apostolado. Amém.
Pe. Jacob Nampudakam SAC
Reitor Geral da SAC
Roma, 21 de janeiro de 2015
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