quarta-feira, 3 de março de 2010

SÃO FRANCISCO DE ASSIS E SÃO VICENTE PALLOTTI

Homilia do Pe. Franco Todisco, SAC, Vice- Geral da SAC, na Basílica inferior de São Francisco, em Assis, durante a concelebração eucarística da XVIII Assembléia Geral junto ao túmulo do Santo.

Caríssimos irmãos em Cristo e em São Vicente Pallotti!

Este lugar recorda-nos a pessoa, a obra e sobretudo a santidade de São Francisco, daquele que, como ninguém até agora, pela pobreza se identificou com Cristo.

Cada santo teve uma palavra bíblica como chave da sua história com Deus e os irmãos, a partir da qual tudo iniciou e sobre a qual tudo construiu. Fundamento perene da espiritualidade e santidade de São Francisco foi a pobreza, tão intensa, tão radical, tão perene em sua vida, que ele a via e a vivia como um esponsalício, captando em sua imagem conjugal a perenidade e a continuidade da condição.A pobreza manifesta-se externamente como um redimensionamento da realidade material, o qual é expressão do desprendimento e da pobreza interior.

A primeira e fundamental pobreza nasce da descoberta de Deus como centro de todas as coisas; da descoberta que o mundo material não é estranho, embora diverso, daquele espiritual, porque o mesmo Criador os sustenta e cada vida faz parte da história que Ele teceu nos séculos com as suas criaturas.

A pobreza é a descoberta existencial de Deus como bem único e absoluto, como fim único de cada pensamento, palavra e ação; é a descoberta do senhorio de Deus na própria vida e na história. Se Deus é o centro de todas as coisas, então se toma distância do que nos circunda, que parece indispensável mas não o é: “Não quero nada que não agrade a Deus, mas tudo o que agrada a Deus” “Meu Deus, meu tudo!”- dizia São Vicente Pallotti. E isto sem esquecer ou desprezar o mundo: “Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão sol, pelo irmão fogo, pela irmã água, pela irmã lua e as estrelas...”; a pobreza verdadeira não é privação mas descoberta de uma nova beleza e dignidade da realidade que passa da consideração de instrumento àquela de criatura, como nós, de Deus e à de nossa companheira de viagem na existência. E não é somente contemplação e poesia, mas atenção aos pobres e partilha com os mesmos. “Irmão menor”, na Idade Média, queria dizer “último” em todo sentido; irmão para ser enviado aos últimos, aos pobres e aos fracos a fim de identificar-se com eles. Sabemos que São Francisco, durante as suas viagens, não dormia em casa de amigos ou em hospedarias mas nos leprosários ou nos lazaretos (os hospitais daquele tempo confiados à caridade completa das pessoas), para cuidar dos doentes e assisti-los, até à sua derradeira escolha de morrer nu sobre a terra nua.
São Vicente Pallotti, desde jovem, teve uma grande devoção a São Francisco de Assis; quis ser capuchinho, mas a sua débil saúde, as oposições do pai e do confessor convenceram-no a entrar no clero secular. Sorte para nós. O resto da história nos é conhecido. Mas ele fez o propósito de viver como capuchinho no clero secular; até 1839 dormiu cada noite vestido com o hábito capuchinho, no chão, sobre um cobertor, tendo uma pedra como travesseiro. Por ordem médica suspendeu este costume, mas todos puderam ver no seu quarto como era a sua cama.Esta opção pela pobreza franciscana começara antes. No dia 29 de novembro de 1816, festa de todos os santos Franciscanos, recebera o hábito de terciário franciscano e, no dia 15 de fevereiro de 1818, fizera a “profissão”. Tudo isto pouco antes de sua ordenação sacerdotal.

Em 1816 escrevera sobre a pobreza interior: “...o meu inimigo capital: o que não é total despojamento do intelecto e da vontade” e sobre a pobreza exterior “...tendo eu necessidade de um palmo de terra para descansar, de ar para respirar, de água para matar a sede, de alimento para sustentar-me, de um trapo para cobrir-me, que eu não encontre nada, inclusive me seja dado o mais tormentoso sofrer!”.

Causam espanto em São Vicente, desde jovem, a clareza da meta e a força das decisões. A sua pobreza é logo doação total de si mesmo aos irmãos mais necessitados; quisera ser “...luz para os cegos, voz para os mudos, ouvido para os surdos, pena macia para dar repouso aos membros cansados dos fatigados”. Sabemos que ele dedicou a sua vida a todos, mas sobretudo aos pobres. Era pobre e por isso compreendia a situação dos pobres. Sempre os amou, os acolheu, os compreendeu e escusou; não deu a eles somente esmolas, mas, nos limites do seu tempo, os educou, os instruiu e procurou trabalho para eles, ajudou-os de todos os modos até ser chamado, ao morrer, o pai dos pobres.

Ele pessoalmente comia pouco e frugalmente. Nunca se queixava do alimento nem dizia que estava bem preparado ou temperado; não comia fora de hora e, se comia, muitas vezes comia o pão dormido ou as sobras. Teria podido viver folgadamente, pois a sua família estava economicamente bem; mas ele quis fazer-se e ser pobre no vestuário e na alimentação, privando-se sempre de toda mínima comodidade.

Também no nosso Fundador as criaturas têm todas um valor e uma função positiva. Um texto entre muitos: “Procurai Deus em todas as coisas e o encontrareis em tudo: procurai-o sempre e encontrá-lo-eis sempre”. Somente quem é enormemente pobre pode entrever Deus nas coisas e nos acontecimentos.

Uma pobreza franciscana que ele queria presente na sua obra.

Nas casas para os sacerdotes e os leigos que pelas missões se consagravam a Deus com os votos, pedira o hábito dos Capuchinhos, as sandálias sem meias e a regra e o estilo de vida de São Francisco, e pedira que se considerassem não como possuidores mas como mendicantes. Também para as irmãs da Sociedade quis o hábito de São Francisco e por regra uma fusão daquelas de São Francisco com as dos sagrados retiros.
As casas da sua mínima Congregação deviam ter a forma e o estilo dos conventos dos Padres Capuchinhos: “Também as igrejas deverão resplandecer a santa pobreza, conforme a forma das igrejas dos RR. PP. Capuchinhos”.

Considerava a pobreza como um dos sinais de reconhecimento do divino em nosso meio. O espírito de pobreza começava com a escolha do lugar e do ambiente mais pobre; pobreza nos móveis, nos quartos e na mesa, sempre unida à frugalidade e à temperança. A mínima Congregação devia ser considerada por todos como a primeira dos pobres e a comunhão de bens como o instrumento livre para que as eventuais diferenças econômicas ou sociais iniciais dos membros desaparecessem no dom total de si mesmos a Deus, aos irmãos e ao apostolado e por isso na igualdade.

Alguém disse: o catolicismo de amanhã ou será pobre ou não existirá.

A pobreza tem duas faces distintas, mas não separadas: uma interior, aquela do espírito, e a outra voltada para a sociedade e para a história.

A pobreza de espírito é o fundamento. Ela revela logo se optamos por Deus e que opção fizemos, opção esta que deve externar-se em atitudes concretas.

A pobreza é, antes de tudo, disponibilidade. É ter colocado em Deus toda segurança, ter-lhe dado ao menos a possibilidade de agir na nossa vida. Ser pobre significa ter renunciado a tantas certezas e seguranças; a fé não pode ser hoje uma apólice de uma companhia divina de seguros. Pobreza, em vez disso, quer dizer ter tantos pontos de interrogação que, na tradição hebraica, quando encontram uma resposta, se abrem para outra pergunta. Tudo isto não em contraste com o dever de anunciar a boa notícia do Evangelho. A pobreza diz respeito somente ao modo justo.

A pobreza, enfim, se refere também aos meios; são necessários, mas não o são todas as implicações e as alianças que, por exemplo, o dinheiro procura. Abundância, consumismo e desperdício não convêm a quem escolheu a pobreza; porque ser e viver como pobre é também cada dia dar-se conta dos irmãos necessitados para partilhar a sua condição.

Sobre a pobreza somos todos incentivados ou desafiados a andar contra a corrente pela palavra admoestadora de Jesus: “É mais fácil que um camelo passe pelo fundo de uma agulha que um rico entre no reino dos céus”.

Que São Francisco e São Vicente nos ajudem a ser pobres e a viver todas as nossas opções pessoais e apostólicas no espírito da Santa Pobreza, para assemelhar-nos mais Àquele que era rico e se fez pobre por nós. Amém.
Tradução do
Pe. João Baptista Quaini

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