terça-feira, 14 de julho de 2009

CARISMA PALOTINO

Introduçăo

Começamos este breve estudo sobre o carisma palotino. Dizemos breve porque não pode ser exaustivo. Deixará, portanto, o leitor e o próprio autor com mais interrogações e com maior frustração. O estudo do carisma palotino é um assunto profundo e sério e não pode ser tratado de modo superficial. Tento expor aqui a vivência de sessenta anos de vida palotina, o que experimentei, o que vi e observei, ouvi e li, mas sobretudo o que eu observei em nossos membros leigos. Não apenas nos Padres, Irmãos e Irmãs e membros professos, mas também em nossos fiéis, isto é, em todos os que, por diversas circunstâncias, estiveram sob a influência deste carisma apostólico como membros de nossas instituições, movimentos, escolas, etc.. Perguntamos a eles o que pensam de nós, como nos vêem, que experiências tiveram, etc..Observaçăo metodológica

O carisma em geral pertence ao mistério da Redenção. Por isso jamais poderemos conhecê-lo plenamente, com exceção da sua existência, que conhecemos através da fé. Por ser um mistério da graça de Deus, não podemos formar dele conceitos completos, definidos, claros, como fazemos noutras ciências. Podemos elaborar conceitos através de comparações, de parábolas, de semelhanças (luz, vida, força, energia, etc.). Também podemos ter uma certa idéia do carisma através de experiências místicas, as quais, porém, são intransmissíveis, visto que o nosso léxico não tem palavras para fazê-lo com exatidão. Pode também haver intuições do carisma através de caminhos desconhecidos. A conclusão é esta: é praticamente impossível discernir plenamente o carisma através dos efeitos somente. Tudo isso é, pois, uma tarefa incompleta que pode ser completada com posteriores conhecimentos e experiências. Com estas advertências nos propomos investigar o carisma.
Aproximação geral do carisma
Carisma relaciona-se com caro. E caro, como adjetivo, significa que algo ou alguém tem um preço elevado ou nos é precioso. Costumamos dizer ‘caro amigo’. Com isso queremos dizer que ele é valioso e precioso para nós. A definição de carisma é deficiente: dom outorgado gratuitamente por Deus a uma criatura (se é dom, subentende-se que é gratuito). É-nos mais fácil recorrer a definições negativas, isto é, que dizem mais o que não é do que o que é. Manifestamente, as definições negativas não satisfazem. Costuma-se também usar a categoria do modo: modo ou maneira de ser Igreja. Isso é verdade, mas reduz o carisma a um fator acidental, isto é, ao que é modal, quando, em si mesmo, é uma essência ou substância real.
Carisma e identidade da pessoa, da Igreja, das igrejas e das comunidades

A identidade de cada pessoa e de cada coisa é o meio necessário para conhecer a realidade em todos os campos em que devemos atuar, desde Deus até os elementos materiais. Estamos procurando averiguar cada vez mais profundamente nossa identidade palotina e por isso consideramos o carisma palotino como critério ou medida do que somos. Por isso o Vaticano II exorta voltar às fontes a fim de conhecer o verdadeiro rosto da própria Igreja. A problemática do Concílio tinha em vista esclarecer o que a Igreja pensava a respeito de si mesma. Daí a sua pergunta de fundo: Igreja, que dizes de ti mesma? Já o primeiro Concílio Ecumênico, o primeiro de Nicéia, celebrado em 325, indicou as notas essenciais da verdadeira Igreja de Cristo que se encontram no Credo Niceno: “Creio na Igreja una, santa, católica e apostólica”. O Vaticano II quis ampliar este conhecimento e, conseqüentemente, determinou que cada parte constitutiva da Igreja fizesse o mesmo. Deviam fazê-lo as Igrejas particulares, as regionais (Medellín, Puebla, Santo Domingo), as locais, as paróquias, os institutos apostólicos, os movimentos...
A Igreja tem como seu Fundador nosso Senhor Jesus Cristo, o qual lhe deu os meios necessários para continuar a sua obra no tempo. “Felizes os que crerão em mim, sem ter-me visto...” Como afirma muito bem o mesmo Concílio, a Igreja é um mistério cuja natureza real entrevemos como a ponta de um recife que emerge da água. A Igreja emerge do mar da divindade. Podemos conhecer a sua parte emergente, mas também podemos mergulhar nesse mar da divindade para conhecer mais e melhor, usando bem, é claro, os meios idôneos para realizar esta operação. O próprio Senhor nos providencia estes elementos, com uma variedade infinita, razão por que nenhum deles chega a abarcar toda a verdade ou todas as dimensões do que está submerso.
Carisma e sobrenatural
O Concílio de Nicéia, ao dizer que Deus é Criador do mundo visível e invisível, afirma a existência de duas realidades, isto é, a natural e a sobrenatural. A primeira é aquela que conhecemos por meio dos sentidos e das faculdades morais e intelectuais, ao passo que a segunda supera toda dimensão natural. São duas realidades paralelas, independentes, mas que podem encontrar-se num mesmo ser. O próprio Deus é uma realidade natural e sobrenatural. Também o homem. O sobrenatural tem existência própria. No homem é constituído pelos dons, pelos meios que chamamos graça de Deus, por aquilo que não é devido à natureza humana ou a outra natureza criada ou criável. Deus, em sua infinita e incompreensível misericórdia, dá-nos participar do mundo sobrenatural, cuja porta de entrada é a Fé. Fé que é uma luz suficiente para ver obscuramente as realidades ocultas em Deus. Fé que é obscura, mas suficiente para levar-nos a um conhecimento cada vez mais pleno. Esta transição supõe etapas cujo ritmo é marcado pela resposta que vamos dando a essa graça.
Mergulhando no mar infinito de Deus, chegamos a um ponto que parece ser o início da vida sobrenatural para nós, seres humanos. Este ponto é a elevação da nossa natureza humana a uma altura incomensurável e incompreensível, isto é, tornando-nos participantes da natureza divina, o máximo permitido à nossa natural limitação. Esta participação torna-nos filhos adotivos de Deus e incorpora-nos em sua família com todos os direitos e deveres próprios de filhos... Mas esta relação coloca Deus também na posição de Pai e por isso com todos os deveres próprios de um pai para com o filho. Os dons divinos são incondicionais e subsistem sempre, apesar das nossas infidelidades e traições. Somos e seremos sempre seus filhos. “Se um filho pede a seu pai um pedaço de pão, dar-lhe-á ele uma pedra?.. Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai que está nos céus!” Por isso podemos ter a certeza de que Ele cumprirá sua paternidade, mesmo quando atuamos sem consciência dessa filiação ou inclusive quando somos infiéis às suas conseqüências e implicações.
Os carismas pertencem a esse mundo sobrenatural. Eles são o cume de todos os demais dons, virtudes, energias que reforçam nossa debilidade. “Tudo posso nAquele que me conforta”. Existem diferenças entre os diversos dons e graças. Os Carismas pertencem ao mistério infinito de Deus, algo, como diz São Vicente Pallotti, incompreensível, comparável a uma loucura, algo completamente insuperável para a nossa razão.
Carismas de Săo Vicente Palloti
Nesta altura rarefeita da realidade carismática estão os carismas de São Vicente Pallotti: os que são dele individualmente e os que são comunitários ou coletivos, isto é, dados a um órgão ou corpo na Igreja e dos quais brota a particular espiritualidade, que é o modo de ver, de contemplar parcialmente a infinita variedade do mundo sobrenatural. Aqui está nosso carisma particular como herdeiros de São Vicente Pallotti. Devemos exercitá-lo no apostolado com todas as conseqüências e dimensões que implica.
Carisma em nós

O carisma atua, influi, dimensiona e trabalha em nós, embora não tenhamos explícita consciência de sua existência ou atuação. Continuará assim enquanto não pusermos um obstáculo a sua realização e exercício. A posse deste carisma apostólico facilitará tudo o que difícil e fatigante. Esta é uma maneira de procurar captar ou iluminar essa verdade inefável. Existem muitas outras conclusões e aclarações que tornariam interminável qualquer tratado oral ou escrito. Não obstante isso, podemos e devemos avançar nesta direção, onde sempre encontraremos novas iluminações, novas luzes, novos motivos. Foi por isso, talvez, que São Vicente Pallotti nos disse, em seu leito de morte, que todos devemos ser fundadores, no sentido de discernir o genuíno e autêntico do que não o é. Os esforços do Fundador deram como resultado a experiência mística da visão apostólica da Igreja e da fundação da pequena União do Apostolado Católico à qual somos chamados e na qual estamos integrados, apesar de nossa ignorância e outras deficiências nossas.
Tenhamos em conta que, além das virtudes teologais e morais, infundidas em nós junto com a filiação divina e que nos capacitam a atuar na ordem sobrenatural, Deus nos infunde também os dons do Espírito Santo que à capacidade de atuar acrescentam a facilidade. Os carismas particulares pertencem à ordem dos dons do Espírito Santo, dados, porém, para benefício e bem dos demais, sem deixar por isso de beneficiar quem os recebe.
Faltar-nos-ia identificar mais claramente a dimensão de nossa espiritualidade, mas, embora sem este conhecimento mais cabal e completo, podemos estar seguros de possuir o carisma. Embora não tenhamos plena consciência desta posse, nós o vamos realizando em nossa vida individual e comunitária, como nos prova a experiência.
Pe. Kevin O’Neill, SAC
Traduçaõ do
Pe. João Baptista Quaini, SAC

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