quinta-feira, 10 de setembro de 2009

NOSSOS PIONEIROS NA AMÉRICA DO SUL

O quarto reitor geral da Sociedade do Apostolado Católico foi o P. Giuseppe Faà di Bruno. Não era romano e governou a Sociedade pelo espaço de vinte anos (1869-1889), o período mais longo para um reitor geral em nossa história. Poderíamos dividir seu governo em dois períodos. No primeiro salvou da extinção a obra orgânica da Sociedade de São Vicente Pallotti através da consolidação de seus fundamentos e de seu apostolado. Começou a Obra Vocacional, já iniciada pelo sucessor imediato do Fundador, P. Vaccari, reabrindo o noviciado em Rocca Priora que havia sido fechado pelo P. Auconi, terceiro sucessor de Pallotti e habilitando novamente Roma para os estudos. Mesmo assim abriu um segundo noviciado em Ipswick, Inglaterra, e, durante o anticlericalismo que chegou ao poder em Roma com a anexação da cidade ao Reino de Itália, em 1870, abriu uma casa de formação e de estudos em Masio, no norte da Itália.

Dispondo de mais membros e levado pelo profundo universalismo de nosso carisma, prosseguiu com a segunda fase de seu governo, que foi a da expansão da obra palotina. Diferentes motivos o levaram a fazer essa expansão no Novo Mundo, o continente americano: em 1884 na América do Norte e em 1886 na América do Sul. O continente sul-americano era “terra ignota” para a maioria dos europeus, mesmo para os eclesiásticos, sobretudo em sua parte mais ao sul (Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina). O que o impulsionou a tomar essa decisão? Não foi casual, mas fruto da Divina Providência, manifestada através de um pedido ou mandato da Santa Sé, da iniciativa leiga de imigrantes e de um fator carismático, que foi a intervenção de São João Bosco e, por último, a confirmação e o apoio do episcopado daquelas terras através do bispo de Porto Alegre, do de Montevidéu e do arcebispo de Buenos Aires.
A primeira aparição de bispos americanos na face da Igreja universal foi em 1869, no Concílio Vaticano I. Durante o período desse Concílio se reabriram canais de informação e amizade com os antigos discípulos de São Vicente Pallotti do Colégio De Propaganda Fide, onde se formavam membros nativos dos países de ultramar que voltavam agora a Roma como bispos cheios dos conceitos de Pallotti sobre o apostolado, as missões e as outras notas da visão apostólica do Fundador que havia sido diretor espiritual do dito colégio e no qual havia exercido seu ministério docente o P. Rafael Melia, o fundador da comunidade de Londres. Deve-se assinalar que esses discípulos não estavam na América do Sul que não dependia da Propaganda Fide. O elemento humano da primeira evangelização americana tinha provindo da Espanha, Portugal e França, que agora estavam em declínio. Pouco se sabia, em Roma, da existência dessas igrejas agonizantes, depois da emancipação e conseqüente ruptura com a Coroa que governava e dirigia não somente o aspecto civil e militar destas terras, mas também o eclesiástico através do direito de padroado exercido de tal modo que o contato direto da hierarquia com a Santa Sé se reduzia ao mínimo. Outro país que se interessou pela América foi a Grã-bretanha, começando sua ação conquistadora no norte, fundando ali treze colônias, das quais uma somente, Maryland, admitia ou tolerava a ação da Igreja Católica. Grã-Bretanha aproveitou as guerras napoleônicas para fazer sentir seu peso também no sul. Começou com um fato diplomático, que foi a transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro a fim de que não caísse nas mãos de Napoleão. Prosseguiu com uma ação militar que foi a tentativa da conquista do Rio da Prata, chegando a ocupar Montevidéu e Buenos Aires. Em sua face militar foi derrotada, mas não em seu aspecto mercantil. As convulsões civis e militares, sobretudo nas dependências britânicas e hispânicas, levaram a Igreja no império espanhol a um colapso quase total, exceto na sobrevivência da fé no povo, mas a igreja institucional estava paralisada.

São conhecidos os passos da aventura apostólica palotina, mas nunca se elucidou a razão genuína de tal esforço, ingente naquela época para a pequena Sociedade: o mandato ou pedido da Santa Sé a instâncias leigas e a intercessão carismática de São João Bosco que conhecia bem de que se tratava porque, poucos anos antes, havia enviado sacerdotes de sua Sociedade à imensa e inóspita Patagônia.

O reitor geral atua com suma prudência, mas sem perder tempo, e envia um explorador para ver in situ a situação geográfica, social, política e eclesial. Tratava-se de um jovem sacerdote inglês que na época era Procurador Geral da Sociedade. Ele chega em 1885 e inicia, imediatamente, seu exame acompanhado do ministério sagrado em Montevidéu, Rio Grande do Sul e Argentina. Ao voltar para Roma leva três propostas desses países. Pareceria que a casualidade tivesse intervindo na fundação de Montevidéu e da Argentina, mas não foi assim. Foi feita segundo a corrente imigratória a exemplo de São Vicente Pallotti ao fazer a fundação londrina, em 1844, a única fundação sua fora da de Roma que, por sua vez, tem consonância com o fim último de sua visão apostólica de “um só rebanho e um só pastor” através do reavivar a Fé e a caridade entre os católicos e da atração de outros cristãos ao seio da Igreja. Os imigrantes, por sua vez, formam a classe sofredora, oprimida, marginalizada e, no dicionário de hoje, são os mais pobres entre os pobres.

Em 1886 se verifica a chegada da primeira expedição para a tríplice fundação, com o P. Whitmee à frente e o P. Bannin, outro palotino inglês, como ajudante. Esta primeira expedição está composta pelos PP. Vicente Kopf, alemão, Bernardo Feeney e João Petty, irlandeses, o Ir. Guilherme Banks, inglês, e o noviço João Dolan, irlandês. Pouco tempo depois se agregaram a eles os PP. Pfändler, suíço, e Francisco Schuster, alemão, provenientes todos de dois ambientes distintos, Roma e Londres. O primeiro com a aguda face anticlerical e a confusão do regime eclesial e civil imperante devido à anexação de Roma ao Reino de Itália e a ruptura das relações entre os dois poderes; e o segundo, pela reação hostil da população devido à restauração da hierarquia inglesa desaparecida no tempo de Henrique VIII. Um dos inspiradores desta restauração foi precisamente nosso fundador e esteve encabeçada por um discípulo do santo, o cardeal Wiseman.

Analisando a expedição que veio a estas terras, vemos a variedade de nacionalidades, idades e categorias; padres, irmãos e um estudante de 21 anos. As circunstâncias eram muito diversas e isso fez com que adotassem novas formas de apostolado. Não se tratava de uma missão aos gentios ou aos pagãos, mas a cristãos. Foi de caráter rural no Rio Grande do Sul e na Argentina; de início e em grandes linhas, se assume o apostolado paroquial “sui generis”. As paróquias do Rio Grande do Sul foram as primeiras da SAC, se exceptuarmos uma na Inglaterra, em Hastings (1880) e outra em Nova Iorque (1884). Na Argentina, juntamente com o apostolado rural, se assume o educacional nos anos considerados cruciais pela Igreja. A fundação de um colégio de estudos gerais, o Colégio São Patrício, em Mercedes, ainda existente, foi e é um êxito e um acerto. Também se fundou um estabelecimento de Artes e Ofícios na localidade de Azcuénaga, que não prosperou e foi abandonado. Em Montevidéu se adotou o apostolado do mar.

As três fundações tinham em comum os imigrantes. Na Argentina os irlandeses e os italianos nunca formaram colônias e mais adiante os bascos. Essas modalidades de apostolado tornavam necessário o conhecimento e cultivo de várias línguas. Por exemplo, em Montevidéu era necessário conhecer o inglês, o alemão e o italiano, tanto para a numerosa quantidade de residentes na cosmopolita cidade, quanto para as flutuantes idas e vindas de marinheiros. Daí por que o livro de Atas da comunidade, nestes primeiros anos, está em inglês, alemão, italiano e espanhol! Além disso, deviam ter a suficiente elasticidade para adaptar-se a tanta variedade cultural e social, para a qual nossos pioneiros estavam preparados pelo carisma universalista legado por nosso fundador.

Diferente da quase paralisada ação missionária e evangelizadora da Igreja da primeira evangelização que ainda vegetava, os nossos missionários saíam em busca das ovelhas dispersas. O livro do P. Genésio Bonfada relata episódios incríveis e o mesmo aconteceu na Argentina, onde eram quase inexistentes caminhos transitáveis pelos verdes pampas. Em 1914, por exemplo, o P. Tomás Dunleavy, de Mercedes, viajava a cavalo por lamacentos e inundados caminhos orientando-se pelos alambrados das estâncias onde ficavam isolados seus proprietários e o pessoal, com abundante comida, mas sem assistência sanitária e espiritual, mas não educacional, uma vez que entre o pessoal estável das estâncias sempre existiam um ou dois professores, sobretudo nas estâncias irlandesas, onde sempre se cultivaram as artes e as ciências elementares, tanto profanas quanto sagradas. As bibliotecas ambulantes, mantidas pelos sacerdotes, foram um corolário útil para a piedade e a cultura e assim se manteve o ancestral amor à poesia, à música e ao canto, o que ajudava a conservar, entre outras coisas, a história familiar e local.

Aqui se poderiam acrescentar outros episódios e anedotas que ilustram o caráter austero e bondoso dos palotinos que os fazia muito populares entre seus fiéis, o clero e a pouca hierarquia eclesiástica existente. O exercício da pobreza e a ausência de comodidades a que estavam acostumados não os acovardaram e, mesmo que não se falasse nem se escrevesse sobre a pobreza, se viviam essas realidades e se traduziam no estilo de vida comunitário, como o descrevem as recordações de Concórdio Dotto “Quando a gente era pobre”, publicados nas “Informações Palotinas”.

Pe. Kevin O’Neill

Nenhum comentário: