sábado, 18 de dezembro de 2010

OS PROBLEMAS SOCIAIS EM PALLOTTI

1. Ideal
A inspiração inicial de Pallotti (09/01/1835) compreendia três campos:
1. Reavivar a fé e a caridade entre os cristãos, ou, por outras, renovar a Igreja nos países onde existia;
2. Propagar a fé, com todos os seus tesouros, entre os povos afastados dela e entre os povos cuja fé não era autêntica;
3. Promover uma instituição universal em prol da prática das obras de misericórdia corporal e espiritual.
Entre os palotinos estão bem vivos os dois primeiros objetivos, mas o terceiro parece não ter merecido o devido destaque. Não estará reservada esta tarefa aos palotinos do terceiro mundo?!
Obras de misericórdia – para nos entendermos, vamos repetir quais as obras de misericórdia ensinadas pelos antigos catecismos:
Corporais: (Mt 25, 31-46)
1. Dar de comer a quem tem fome.
2. Dar de beber a quem tem sede.
3. Vestir os nus.
4. Dar pousada aos peregrinos.
5. Visitar os enfermos e encarcerados.
6. Libertar os prisioneiros.
7. Enterrar os mortos.
Espirituais:
1. Dar bom conselho.
2. Ensinar os ignorantes.
3. Repreender os que erram.
4. Consolar os aflitos.
5. Perdoar as injúrias.
6. Sofrer com paciência as fraquezas do próximo.
7. Rogar a Deus pelos vivos e defuntos.
2. Realizações de Pallotti
Havemos todos de lembrar os rasgos de generosidade de Pallotti, desde sua juventude; qualquer biografia salienta a vida de pobreza do santo e por isso não falamos aqui.
Algumas palavras sobre certas atividades do Fundador:
Pobres – São Vicente Pallotti viveu na Roma pobre e rodeado de pobres. Tanto assim que, cada vez que saía às ruas, levava no bolso uns trocos para repartir com os mendigos. Dava também somas importantes, após se haver informado da real necessidade do suplicante.
Muitas de suas cartas se destinaram a pedir ajuda em favor dos pobres; vários amigos colaboravam assiduamente; já que Pallotti procurava atender a todos, precisava de um bom grupo de pessoas que se empenhassem em socorrer as necessidades do próximo: eram os amigos do Apostolado Católico. Muitos pobres, que pediam socorro importante, recebiam de Pallotti um bilhete; com ele na mão se endereçavam à pessoa indicada e retornavam com o auxílio desejado.
Até o Papa Pio VIII recebeu um bilhete do P. Vicente, iniciado com as palavras da Escritura: “Serás o auxílio dos órfãos”; dizia que o Papa devia ser pobre com os pobres e órfão com os órfãos. Por isto seis meninos órfãos se ajoelhavam diante dele: a mais velha, uma jovem de 15 anos, a mais nova lá pelos cinco; em 12 ou 15 dias perderam pai e mãe; logo o patrão despejou a todos da casa; nenhum parente para os ajudar, a Paróquia São João dos Florentinos também sem condições: Sua Santidade poderia encaminhá-los a algum orfanato.
Convém observar que Pallotti criara certa organização para atender os pobres: seus grandes colaboradores eram associados do Apostolado Católico: membros do clero, entre eles cardeais, da nobreza e do povo em geral. Cardeais havia que celebravam missas nas intenções de Pallotti, deixando o estipêndio  em benefício dos pobres. Aos amigos enviava Pallotti bilhetes de loteria para serem vendidos: os ocasionais ganhadores destinavam o prêmio às obras caritativas do Apostolado Católico.
Outro sinal de organização: na porta da sacristia, em Spirito Santo dei Napoletani e em São Salvatore in Onda, afixara uma caixinha: os necessitados depositavam lá seus pedidos; Pallotti e seus colaboradores lhes davam andamento.
Combinaram com os negociantes dos arredores meio rápido de socorro: o Apostolado Católico imprimira vales para carne, pão e roupas; o pobre apresentava o vale na casa conveniada e oportunamente o Apostolado Católico realizava o pagamento. Sua casa se transformara em autêntico posto de Cáritas...
Talvez alguém observe que isto não passava de assistencialismo; pode-se responder: também ele é necessário; a fome não espera. Por outro lado, no juízo final, Cristo acolhe os que deram de comer...
Além disso, Pallotti realizou verdadeira promoção humana, como veremos.
3. Promoção Humana
Várias iniciativas de Pallotti mostram que ele visava obras que resolvessem em definitivo a situação dos pobres:
Muitas de suas cartas pedem emprego para os pobres; procurou acolhimento nos internatos para jovens sem família; a outros encaminhou a pintores e demais profissionais para que lá trabalhassem, aprendessem o ofício e assim conseguissem uma profissão para sua vida; sugeriu se conseguissem trabalhos que os pobres pudessem executar em casa. Entre as tarefas da “Procura São Matias”, dedicada a enfrentar os problemas da pobreza, inclui a de encontrar advogados que defendam as causas das viúvas e dos órfãos.
Pensou se organizasse uma “Pubblica Lavorazione” onde os pobres realizassem seus trabalhos: eis aí um primeiro lampejo das lavouras e hortas comunitárias; ainda hoje quanta gente poderia ganhar sua vida em semelhante organização de trabalho...
No seu plano de organização do Apostolado Católico, Pallotti destinou nada menos que quatro “Procuras” à causa social:
– a de São Matias, em auxílio aos pobres;
– a de São Mateus, em favor dos doentes;
– a de São Bartolomeu, destinada às obras de misericórdia em prol dos presos e condenados à morte;
– a de São João Evangelista, para as obras sociais.
Diz ele que é próprio de nosso Instituto promover de todos os modos possíveis o mais ativo exercício das obras de caridade e misericórdia; essas obras são as  mais aptas para exercitar a fé; nelas de certo modo se vê Deus.
Além disto, a caridade é industriosa: o “Procurador” seja criativo na descoberta dos meios que a promovem: quanto campo para nossa iniciativa...
As obras de caridade não podem cessar jamais; temos que garantir sua continuação.
4. Agricultores
A planície de Roma até o Mediterrâneo, margeando o Tibre, conhecida pelo nome de “Campagna Romana”, começou a ser povoada nos tempos de Pallotti, se bem que livre da malária apenas na administração de Mussolini. Aqueles agricultores pobres vinham freqüentemente a Roma: acharam em Pallotti um amigo. Também para eles o santo teve tempo. Numa carta ao P. Melia, em Londres (10/4/1845), relatou que os PP. Francisco Vaccari, Inácio Auconi, Faà di Bruno e Bravi pregaram uma santa missa em Tor-Tre-Ponti por ocasião do Natal; com tanto sucesso, que o Papa solicitou a Pallotti que enviasse mensalmente um padre para cuidar daquele povo. “Penso que um de nós pode a cada mês fazer uma visita; algumas vezes poderiam ir mais padres. Também alguns dos padres que se preparam para ir às missões estrangeiras, poderiam colaborar. Ser-lhes-ia proveitoso noviciado”.
Este movimento de agricultores se prolongou e cresceu: em junho de 1846 Pallotti pediu autorização para distribuir a comunhão na igreja de São Salvador, até uma hora depois do meio-dia “porque fiéis e agricultores em grande número vêm de longe, muitas vezes já passou o meio-dia quando acabaram de confessar”.
Em favor dos agricultores, sugeriu Pallotti um grande número de iniciativas, entre as quais o ensino do catecismo. Expressamente recomenda que também leigos participem da campanha de evangelização.
Em relação aos agricultores encontramos uma observação muito sutil e arguta: os de idade poderão oferecer resistência às mudanças e ao aprendizado da religião; então trabalhemos com os jovens e, assim, renovaremos a sociedade...
Na região de Termini funcionava uma escola de artes e ofícios: lá conseguiu Pallotti matricular bom número de filhos de agricultores: aprenderiam a profissão de pastores e de agricultores. Por 30 anos ele pessoalmente se dedicou à formação religiosa dos jovens: catequese, palestras, confissões... Queria que se tornassem bons agricultores e “apóstolos da religião e dos bons costumes entre os companheiros”.
Na Via Salária antiga o nobre Paulo Campagna abriu uma escola agrícola: aí também conseguiu Pallotti fazer estudar filhos de agricultores e cooperou na formação religiosa.
Ainda em favor da juventude, planejou Pallotti, sem conseguir realizar, uma escola de latim para jovens e adultos: lá estudariam e se encaminhariam na vida.
5. Escolas Noturnas
Boa demonstração do empenho de Pallotti pelo futuro da juventude dão as escolas noturnas; a primeira foi fundada pelo advogado Miguel Gigli e por Pallotti em São Nicolau degli Incoronati; novas escolas surgiram por iniciativa desse amigo do santo. A primeira escola se transformou em hospital, na peste da cólera, em 1837, na qual sucumbiu o Sr. Gigli.
Passada a epidemia, sobraram muitos jovens privados de seus pais; aí sentiu Pallotti maior urgência em continuar e ampliar as escolas noturnas. Com auxílio dos amigos, em pouco tempo voltaram a funcionar as escolas na rua Máscara de Ouro e a do Borgo; outras duas nasceram: na Via dell’Arancio e no quarteirão ai Monti; seus amigos abriram outras no Transtevere e na rua do Povão.
Nesta obra de educação da juventude, salientaram-se vários membros do Apostolado Católico, clérigos e leigos. Auxiliaram com trabalho pessoal e com recursos financeiros; até o Tesouro do Estado (pontifício) apoiou a obra. Pallotti realizou muito trabalho de evangelização: catequese, palestras, missas, pregação, confissões, etc., além da inspiração e coordenação geral do empreendimento.
Em 1839, quando de sua doença e descanso em Camaldoli, Pallotti encarregou o P. Morichini do cuidado da obra, ao qual escreveu que as escolas noturnas não lhe causavam preocupação, mas lhe davam alegria. Contavam por esta época 500 alunos.
Continuaram a crescer, no início da década de 1840 chegaram a mil alunos. A ampliação da obra fez com que o Governo assumisse o empreendimento; Pallotti continuou por algum tempo a se interessar por ele, até que aos poucos a organização se tornou completamente independente.
Pallotti conseguiu ainda convencer seu amigo, o Cardeal Ostini, Bispo de Albano, a fundar uma escola em sua diocese.
6. Corporações
No sistema da época, os trabalhadores estavam organizados em “corporações” – distintas segundo os ofícios. A Via dei Pettinari, por exemplo, tomou seu nome da corporação correspondente – a dos produtores de pentes. As corporações visavam promover os interesses da classe e também da religião; em geral, cada uma possuía sua igreja, onde os sócios participavam das celebrações litúrgicas.
Seguindo o exemplo de outros países, Pio VII as aboliu no começo do século 19. Ao se darem conta da formação religiosa e da vivência cristã que tais associações promoviam, os Papas começaram a ver o problema sob outro prisma. Gregório XVI permitiu o restabelecimento das que o desejassem e Pio IX, em 1852, restaurou as corporações, sob forma adaptada ao tempo.
Desde os primeiros anos de seu sacerdócio, Pallotti trabalhou na associação de jovens da Casa Muccioli: aí entrou em contato com os trabalhadores; sempre manteve relações com a classe trabalhadora. Muito se empenhou pelo restabelecimento das corporações, havendo exercido influência no ato de restauração de Pio IX.
Valendo-se da permissão de Gregório XVI, fez voltar à vida três corporações:
– A dos sapateiros, nas proximidades de Ponte Rotto; a eles reunia inclusive para oito dias de retiro na Igreja do Espírito Santo. O Vice-gerente da Diocese, D. Vespignani, mais vezes participou dos encontros dos sapateiros e elogiou generosamente os esforços de Pallotti e sua abençoada atuação entre esses trabalhadores.
A segunda associação restaurada: a dos cocheiros. Para eles, Pallotti elaborou estatutos próprios, onde previa um retiro a cada dois anos.
A terceira a merecer seu empenho foi a dos padeiros italianos, proprietários da bela Igreja de Santa Maria de Loreto, no Forum Trajano; dizia-se dos padeiros italianos, para distingui-la da associação dos padeiros alemães. Para eles Pallotti pregava retiro anualmente, além de outras formas de atendimento religioso.
A moderna organização dos trabalhadores é a dos sindicatos: que campo imenso se abre para nossas atividades, se fosse seguir o exemplo do Fundador...
E Pallotti queria que seu espírito continuasse a frutificar no apostolado dos filhos. Para isto, em seu plano das “Procuras”, previu a “Procura São João Evangelista”, a cujo encargo confiou todos os oratórios e congregações diurnas e noturnas, as pias uniões, as associações e “Ascrizioni per opere di caritá”.
7. Pia Casa de Caridade
Conhecemos a história da Pia Casa de Caridade e por isto nos contentamos com alusões.
Nasceu para abrigar órfãs que perderam os pais na peste da cólera.
Pallotti soube angariar a ajuda de Jacó Salvati, benemérito colaborador desde o início e mais tarde ecônomo da instituição. Teve também a ajuda de piedosas senhoras, que aos poucos se transformaram na Congregação das Irmãs Palotinas.
Aparecem aí dois elementos importantes: a promoção da juventude e a colaboração de uma equipe de pessoas.
Pallotti visitava semanalmente ou mais a casa: missa, confissões, pregações, reuniões com a equipe a fim de garantir o bom funcionamento da obra.
8. Hoje?
Intenção deste breve estudo foi mostrar quanto Pallotti tomou a peito a realização do terceiro aspecto de sua vocação: a missão social do Apostolado Católico.
Por meio de Maria ela ainda hoje nos exorta: “Tu és sacerdote para o povo (Hb 5,1). Eu te recomendo em especial a parte do rebanho que facilmente é negligenciada: os pobres, os doentes, os moribundos e os pecadores empedernidos” (Mês de maio para os clérigos, 24ª meditação).
O carisma do Fundador interessa toda a sua obra: é a continuadora!
Creio que de modo particular o aspecto social do Apostolado Católico fala aos homens do terceiro mundo: a pobreza se faz violenta, torna-se, por isto, urgente o empenho em prol de uma instituição de caridade universal... Assim como Pallotti a recebeu de Deus! E tentou colocá-la em prática:
Assistencial e promocional.
Com empenho pessoal e comunitário.
Trabalhando em união com todas as forças da Igreja.
Em equipe, na animação de todos os membros da família de Deus.
“Entre o anúncio evangélico e a promoção do homem, entre a caridade e a promoção humana, há uma estreita e profunda conexão, como mostra o ensino social da Igreja”. 
Temeroso das ameaças de Acab, o profeta Elias foi buscar força e inspiração no Horeb, o monte onde se revelou o Senhor. Fatigado, deitou à sombra de um junípero. Acordado por um anjo, ouviu a ordem: “Levanta-te e come, senão a caminhada será longa demais para ti” (1Rs 19,7). Talvez conviesse aplicar a nós a inspiração de Elias: volta às origens...
Pe. Genésio Bonfada SAC

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